Dīgha Nikāya 23

Pāyāsi Sutta

Debate com um Cético

Assim ouvi. Em certa ocasião, o Venerável kumāra-Kassapa estava perambulando pela região de Kosala, com uma grande Sangha de bhikkhus, com quinhentos bhikkhus, e ele acabou chegando numa cidade denominada Setavya. Ele ficou ao norte de Setavya na Floresta de Simsapa. Agora, naquela ocasião, o Príncipe Pāyāsi vivia em Setavya, uma propriedade real com muitos habitantes, rica em pastagens, árvores, rios e grãos, uma concessão real, uma doação sagrada que lhe havia sido dada pelo rei Pasenadi de Kosala.

Uma idéia perniciosa havia surgido na mente do Príncipe Pāyāsi: “Não existe outro mundo, não há seres que renascem espontaneamente, não existe fruto ou resultado de ações boas ou más.” E ao mesmo tempo, os brâmanes chefes de família de Setavya ouviram: “O contemplativo kumāra-Kassapa, um discípulo do contemplativo Gotama, estava perambulando pela região de Kosala, com uma grande Sangha de bhikkhus, com quinhentos bhikkhus; ele chegou a Setavya e está ao norte de Setavya na Floresta de Simsapa; e acerca desse venerável Kassapa existe essa boa reputação: ‘Ele é estudado, experiente, sábio, bem informado, um excelente orador, capaz de dar boas respostas, um venerável, um arahant. É bom poder encontrar alguém tão nobre.’” Assim, os brâmanes chefes de família de Setavya, saíram de Setavya pelo portão ao norte em grupos e bandos e se dirigiram para a Floresta de Simsapa.

Agora, naquela ocasião, o Príncipe Pāyāsi havia se retirado para o andar superior do seu palácio para a sesta. Então, ele viu os brâmanes chefes de família de Setavya, saindo de Setavya em grupos e bandos e se dirigindo para a Floresta de Simsapa. Ao vê-los ele perguntou ao seu ministro porque estava ocorrendo aquilo. O ministro disse: “Senhor, é o contemplativo kumāra-Kassapa, um discípulo do contemplativo Gotama … e acerca desse venerável Kassapa existe essa boa reputação … É por isso que eles estão indo vê-lo.”—“Muito bem, então ministro, vá até os brâmanes chefes de família de Setavya e diga: ‘Senhores, o Príncipe Pāyāsi diz o seguinte: “Por favor, esperem, senhores. O Príncipe Pāyāsi também irá ver o contemplativo Kassapa.’” Esse contemplativo kumāra-Kassapa ensinará esses tolos e inexperientes Brâmanes chefes de família de Setavya que existe um outro mundo, que há seres que renascem espontaneamente e que existe fruto ou resultado de ações boas ou más. Mas esse tipo de coisas não existe.”—“Muito bem, venerável senhor,” disse o ministro, e assim ele comunicou a mensagem.

O Príncipe Pāyāsi, junto com os Brâmanes chefes de família de Setavya, foi até a Floresta de Simsapa onde estava o Venerável kumāra-Kassapa e ambos se cumprimentaram. Quando a conversa cortês e amigável havia terminado ele sentou a um lado. E alguns homenagearam o Venerável kumāra-Kassapa e sentaram a um lado; alguns trocaram saudações corteses com ele e após a troca de saudações sentaram a um lado; alguns ajuntaram as mãos em respeitosa saudação e sentaram a um lado; alguns anunciaram o seu nome e clã e sentaram a um lado. Alguns permaneceram em silêncio e sentaram a um lado.

Então, o Príncipe Pāyāsi disse para o Venerável kumāra-Kassapa: “Venerável Kassapa, eu acredito nesta doutrina e idéia: não existe outro mundo, não há seres que renascem espontaneamente, não existe fruto ou resultado de ações boas ou más.”

“Muito bem, Príncipe, eu nunca vi ou ouvi uma doutrina ou idéia como essa que você afirma. E assim, Príncipe, eu o questionarei sobre isso e você responda como considerar adequado. O que você pensa, Príncipe, o sol e a lua estão neste mundo ou noutro, eles são devas ou humanos?”

“Venerável Kassapa, eles estão noutro mundo e eles são devas, não humanos.” “Da mesma forma, Príncipe, você deveria considerar: ‘Existe um outro mundo, há seres que renascem espontaneamente, existe fruto ou resultado de ações boas ou más.’”

“Não importa o que você diga com relação a isso, Venerável Kassapa, eu ainda penso que não existe outro mundo …”—“Você tem alguma justificativa para essa afirmação, Príncipe?”—“Eu tenho, Venerável Kassapa.”—“Qual é, Príncipe?”

“Venerável Kassapa, eu tenho amigos, companheiros e parentes, que tiram a vida de outros seres, tomam o que não é dado, se comportam de forma imprópria em relação aos prazeres sensuais, dizem mentiras, empregam a linguagem maliciosa, grosseira e frívola, que são cobiçosos, possuem má vontade e têm entendimento incorreto. Com o tempo eles se enfermam e sofrem adoentados. E quando tenho certeza de que eles não irão se recuperar, eu vou até eles e digo: ‘Há certos contemplativos e Brâmanes que declaram e acreditam que aqueles que tiram a vida … têm entendimento incorreto, irão, com a dissolução do corpo, após a morte, renascer num estado de privação, num destino infeliz, nos reinos inferiores, até mesmo no inferno. Agora, vocês fizeram essas coisas e se aquilo que aqueles contemplativos e Brâmanes dizem for verdade, é para lá que vocês irão. Agora, se com a dissolução do corpo vocês renascerem num estado de privação, … venham até mim e declarem que existe um outro mundo, que há seres que renascem espontaneamente, que existe fruto ou resultado de ações boas ou más. Vocês, senhores, são responsáveis e confiáveis e aquilo que vocês virem será como se eu mesmo tivesse visto, assim será.’ Mas embora eles concordem, eles não vêm para me contar e tampouco mandam um mensageiro. Essa, Venerável Kassapa, é a razão para a afirmação: ‘Não existe outro mundo, não há seres que renascem espontaneamente, não existe fruto ou resultado de ações boas ou más.’”

“Quanto a isso, Príncipe, eu lhe farei uma pergunta em retorno. Responda como quiser. O que você pensa, Príncipe? Suponha que trouxessem à sua presença um ladrão pego em flagrante e dissessem: ‘Este homem, Senhor, é um ladrão pego em flagrante. Sentencie-o a qualquer punição que você desejar.’ E você poderá dizer: ‘Prendam os braços deste homem para trás com uma corda forte, raspem a cabeça dele e conduzam-no ao rufar dos tambores pelas ruas e praças e para fora da cidade pelo portão sul, lá, dêem um fim nele aplicando a pena capital, decepando a sua cabeça!’ E eles, dizendo: ‘Muito bem’, assentindo, poderiam … conduzi-lo pelo portão sul e lá decepar a cabeça dele. Agora, se aquele ladrão dissesse para os carrascos: ‘Estimados carrascos, nesta cidade ou vilarejo eu tenho amigos, companheiros e parentes, por favor esperem até que eu os tenha visitado,’ ele obteria o seu desejo? Ou eles simplesmente decepariam a cabeça daquele ladrão tagarela?”—“Ele não obteria o seu desejo, Venerável Kassapa. Eles simplesmente decepariam a cabeça dele.”

“Portanto, Príncipe, aquele ladrão não conseguiria sequer que os seus carrascos esperassem enquanto ele visitava os seus amigos e parentes. Então, como poderiam os seus amigos, companheiros e parentes que praticaram todas essas ações inábeis, tendo morrido e renascido no inferno, persuadir os guardiões do inferno, dizendo: ‘Estimados guardiões do inferno, por favor, esperem enquanto relatamos ao Príncipe Pāyāsi que existe um outro mundo, que há seres que renascem espontaneamente, que existe fruto ou resultado de ações boas ou más?’ Por conseguinte, Príncipe, admita que existe um outro mundo …

“Não importa o que você diga com relação a isso, Venerável Kassapa, eu ainda penso que não existe outro mundo…”—“Você tem alguma outra justificativa para essa afirmação, Príncipe?”—“Eu tenho, Venerável Kassapa.”—“Qual é, Príncipe?”

“Venerável Kassapa, eu tenho amigos … que se abstêm de tirar a vida de outros seres, de tomar o que não é dado, que não se comportam de forma imprópria em relação aos prazeres sensuais, não dizem mentiras, não empregam a linguagem maliciosa, grosseira e frívola, que não são cobiçosos, não possuem má vontade e têm entendimento correto. Com o tempo eles se enfermam … E quando tenho certeza que eles não irão se recuperar, eu vou até eles e digo: ‘Há certos contemplativos e Brâmanes que declaram e acreditam que aqueles que se abstêm de tirar a vida … têm entendimento correto, irão, com a dissolução do corpo, após a morte, renascer num destino feliz, no paraíso. Agora, vocês fizeram essas coisas e se aquilo que aqueles contemplativos e Brâmanes dizem for verdade, é para lá que vocês irão. Agora, se com a dissolução do corpo vocês renascerem num destino feliz … venham até mim e declarem que existe um outro mundo … Vocês, senhores, são responsáveis e confiáveis e aquilo que vocês virem será como se eu mesmo tivesse visto, assim será.’ Mas embora eles concordem, eles não vêm para me contar e tampouco mandam um mensageiro. Essa, Venerável Kassapa, é a razão para afirmar: ‘Não existe outro mundo …’”

“Muito bem, então, Príncipe, eu explicarei com um símile, pois alguns sábios compreendem o significado de um enunciado através de um símile. Suponha que um homem caísse de cabeça numa fossa e você dissesse para os seus auxiliares: ‘Tirem aquele homem da fossa!’ E eles dissessem: ‘Muito bem,’ e assim fizessem. Então, você lhes diria que limpassem por completo o corpo daquele homem com raspadeiras feitas de bambu e depois lhe dessem um banho triplo com marga amarela. Depois você lhes diria que friccionassem o corpo dele com óleo e depois o limpassem três vezes com sabão em pó fino. E você os instruiria para que aparassem o cabelo e barba dele e o enfeitassem com finas grinaldas, perfumes e roupas. Por fim, você lhes diria que o conduzissem ao seu palácio e permitissem que ele desfrutasse dos prazeres dos cinco sentidos, e assim fariam eles. O que você pensa, Príncipe? Aquele homem, depois de banhado, com a barba e cabelo aparados, engrinaldado e adornado, vestido de branco, depois de ter sido conduzido ao palácio, desfrutado e gozado dos prazeres dos cinco sentidos, gostaria de ser novamente mergulhado naquela fossa?”—“Não, Venerável Kassapa.”—“Porque não?”—“Porque aquela fossa é imunda, fétida, horrível, nojenta e em geral é assim considerada.”

“Exatamente da mesma maneira, Príncipe, os seres humanos são imundos, fétidos, horríveis e nojentos e em geral são assim considerados pelos devas. Então, porque deveriam os seus amigos … que não praticaram ações inábeis … (igual ao verso 8), e que com a dissolução do corpo, após a morte, renasceram num destino feliz, no paraíso, retornar e dizer: ‘Existe um outro mundo … existe fruto ou resultado de ações boas ou más?’ Por conseguinte, Príncipe, admita que existe um outro mundo …

“Não importa o que você diga com relação a isso, Venerável Kassapa, eu ainda penso que não existe outro mundo …”—“Você tem alguma outra justificativa para essa afirmação, Príncipe?”—“Eu tenho, Venerável Kassapa.”—“Qual é, Príncipe?”

“Venerável Kassapa, eu tenho amigos que se abstêm … de dizer mentiras, do álcool, vinho e outros embriagantes. Com o tempo eles se enfermam … ‘Há certos contemplativos e Brâmanes que declaram e acreditam que aqueles que se abstêm de tirar a vida … e do álcool, vinho e outros embriagantes … irão, com a dissolução do corpo, após a morte, renascer num destino feliz, no paraíso, como companheiros dos devas do Trinta e Três …’ Mas embora eles concordem, eles não vêm para me contar e tampouco mandam um mensageiro. Essa, Venerável Kassapa, é a razão para afirmar: ‘Não existe outro mundo …’”

“Quanto a isso, Príncipe, eu lhe farei uma pergunta em retorno. Responda como quiser. Aquilo, Príncipe, que para os humanos são cem anos para os devas do Trinta e Três é um dia e uma noite. Trinta dessas noites resultam num mês, doze desses meses, num ano e mil desses anos é o tempo de vida dos devas do Trinta e Três. Agora, suponha que eles pensassem: ‘Depois que gozarmos dos prazeres dos sentidos por dois ou três dias iremos até Pāyāsi para contar-lhe que existe um outro mundo, que há seres que renascem espontaneamente, que existe fruto ou resultado de ações boas ou más,’ eles fariam isso?”—“Não, venerável Kassapa, porque nós já teríamos morrido há muito tempo. Mas, venerável Kassapa, quem lhe disse que os devas do Trinta e Três existem e que eles vivem por tanto tempo? Eu não acredito que os devas do Trinta e Três existam ou que vivam por tanto tempo.”

“Príncipe, imagine um homem que seja cego de nascimento e que não possa ver objetos claros ou escuros ou objetos azuis, amarelos, vermelhos, ou carmesins, não possa ver o plano e o rugoso, não possa ver as estrelas e a lua. Ele poderia dizer: ‘Não existem objetos claros e escuros e ninguém que possa vê-los … não existe o sol ou a lua e ninguém que possa vê-los. Eu não tenho consciência disso e portanto, isso não existe.’ Ele estaria falando da forma correta, Príncipe?”—“Não, venerável Kassapa. Existem objetos claros e escuros …, existe um sol e uma lua e qualquer um que diga: ‘Eu não tenho consciência disso e portanto isso não existe’ não estaria falando da forma correta.”

“Bem, Príncipe, parece que a sua resposta é igual à resposta do homem cego ao me perguntar como sei dos devas do Trinta e Três e da sua longevidade. Príncipe, o outro mundo não pode ser visto da forma como você pensa, através do olho físico. Príncipe, aqueles contemplativos e Brâmanes que buscam nos lugares isolados na floresta, um local que seja tranqüilo, com pouco ruído—eles ali permanecem afastados, decididos, ardentes, purificando o olho divino e com esse olho divino purificado que supera o poder do olho humano, eles tanto vêm este mundo como o mundo que está além e os seres que renascem espontaneamente. Assim, Príncipe, é como o outro mundo pode ser visto e não da forma como você pensa, através do olho físico. Por conseguinte, Príncipe, admita que existe um outro mundo, que há seres que renascem espontaneamente, que existe fruto ou resultado de ações boas ou más.”

“Não importa o que você diga com relação a isso, Venerável Kassapa, eu ainda penso que não existe outro mundo …”—“Você tem alguma outra justificativa para essa afirmação, Príncipe?”—“Eu tenho, Venerável Kassapa.”—“Qual é, Príncipe?”

“Bem, Venerável Kassapa, eu vejo aqui alguns contemplativos e Brâmanes que observam a virtude e são bem comportados, que desejam viver, não querem morrer, que desejam o prazer e abominam a dor. E me parece que se esses bons contemplativos e Brâmanes que são tão virtuosos e bem comportados sabem que depois da morte eles desfrutarão de uma situação melhor, então essas boas pessoas deveriam agora mesmo tomar veneno, tomar uma faca e se matar, enforcar-se ou pular de um penhasco. Mas, embora eles tenham esse conhecimento, eles ainda assim desejam viver, não querem morrer, eles desejam o prazer e abominam a dor. Essa, Venerável Kassapa, é a razão para afirmar: ‘Não existe outro mundo … ’”

“Muito bem então, Príncipe, eu explicarei com um símile, pois alguns sábios compreendem o significado de um enunciado através de um símile. Certa vez, Príncipe, certo Brâmane tinha duas esposas. Uma tinha um filho de dez ou doze anos, enquanto que a outra estava grávida e próxima de dar à luz quando o Brâmane morreu. Então, aquele jovem disse para a mulher grávida: ‘Senhora, toda a riqueza e posses, prata ou ouro, que possa existir, será tudo meu. Meu pai fez de mim o seu herdeiro. ’ Em resposta, a senhora Brâmane disse para o jovem: ‘Espere, jovem, até que eu dê à luz. Se o bebê for um menino, uma parte será dele e se for uma menina, ela se tornará sua serva. ’ O jovem repetiu as suas palavras uma segunda vez e recebeu a mesma resposta. Quando ele as repetiu pela terceira vez, a senhora tomou uma faca e indo para um cômodo privado, cortou a barriga, pensando: ‘Se pelo menos pudesse descobrir se é um menino ou menina! ’” E assim ela destruiu a si mesma e o feto, bem como a riqueza, tal como fazem os tolos que buscam a sua herança sem sabedoria, desatentos aos perigos ocultos.

“Do mesmo modo você, Príncipe, irá tolamente enfrentar perigos ocultos ao buscar um outro mundo sem sabedoria, como aquela senhora Brâmane ao buscar a sua herança. Mas, Príncipe, aqueles contemplativos e Brâmanes que observam a virtude e são bem comportados não buscam acelerar o amadurecimento daquilo que ainda não está maduro, mas ao invés disso, com sabedoria eles aguardam o seu amadurecimento. A vida é benéfica para esses contemplativos e Brâmanes, pois quanto mais tempo esses contemplativos e Brâmanes virtuosos e bem comportados permanecerem vivos, mais méritos eles criarão; eles praticam para o bem-estar de muitos, para a felicidade de muitos, por compaixão pelo mundo, pelo bem-estar e felicidade de devas e humanos. Por conseguinte, Príncipe, admita que existe um outro mundo…”

“Não importa o que você diga com relação a isso, Venerável Kassapa, eu ainda penso que não existe outro mundo …”—“Você tem alguma outra justificativa para essa afirmação, Príncipe?”—“Eu tenho, Venerável Kassapa.”—“Qual é, Príncipe?”

“Venerável Kassapa, suponha que tragam à minha presença um ladrão pego em flagrante e digam: ‘Este homem, Senhor, é um ladrão pego em flagrante. Sentencie-o a qualquer punição que você desejar. ’ E eu diga: ‘Tomem esse homem e coloquem-no vivo dentro de uma jarra. Fechem a boca da jarra com uma pele umedecida coberta com uma grossa camada de argila úmida, coloquem-na num forno e acendam o fogo. ’ E assim eles fazem. Quando temos certeza que o homem está morto, removemos a jarra, quebramos a argila, destampamos a boca e observamos com cuidado: ‘Talvez possamos ver a alma dele escapando. ’ Mas nós não vemos nenhuma alma escapando. Essa, Venerável Kassapa, é a razão para afirmar: ‘Não existe outro mundo… ’”

“Quanto a isso, Príncipe, eu lhe farei uma pergunta em retorno. Responda como quiser. Você admite que ao ir para a sua sesta ao meio-dia você teve visões prazerosas de parques, florestas, campinas e lagos com flores de lótus?”—“Eu tive, Venerável Kassapa.”—“E nessa ocasião você não é observado por corcundas, anões, meninas e donzelas?”—“Eu sou, venerável Kassapa.”—“E eles observam a sua alma entrando ou saindo do seu corpo?”—“Não, venerável Kassapa.”—“Então eles não vêm a sua alma entrando ou saindo do seu corpo, mesmo você estando vivo. Portanto, como poderia você ver a alma de um homem morto entrando ou saindo do seu corpo? Por conseguinte, Príncipe, admita que existe um outro mundo …”

“Não importa o que você diga com relação a isso, Venerável Kassapa, eu ainda penso que não existe outro mundo …”—“Você tem alguma outra justificativa para essa afirmação, Príncipe?”—“Eu tenho, Venerável Kassapa.”—“Qual é, Príncipe?”

“Venerável Kassapa, suponha que tragam à minha presença um ladrão … E eu diga: ‘Pesem este homem vivo na balança, depois o estrangulem e pesem-no outra vez.’ E assim eles fazem. E enquanto ele estava vivo, ele era mais leve, maleável e flexível, mas depois de morto, ele ficou mais pesado, rígido e inflexível. Essa, Venerável Kassapa, é a razão para afirmar: ‘Não existe outro mundo …’”

“Muito bem então, Príncipe, eu explicarei com um símile … Suponha que um homem pesasse uma bola de ferro que tivesse sido aquecida durante todo um dia, inflamada, ardendo com intensidade, brilhando. E suponha que depois de algum tempo, quando ela tivesse esfriado, ele a pesasse novamente. Em qual momento a bola estaria mais leve, maleável e mais flexível: quando estava quente, inflamada, ardendo com intensidade, brilhando ou quando estava fria e extinta?”

“Venerável Kassapa, quando a bola de ferro está quente, inflamada, ardendo com intensidade, brilhando, com o predomínio dos elementos do fogo e ar, então ela estará mais leve, maleável e flexível. Quando esses elementos não predominarem, ela tiver esfriado e extinta, ela se tornará mais pesada, rígida e inflexível.”—“Bem então, Príncipe, ocorre o mesmo com o corpo. Quando ele tem vida, calor e consciência, o corpo fica leve, maleável e flexível. Mas quando está privado da vida, calor e consciência, o corpo fica pesado, rígido e inflexível. Da mesma forma, Príncipe, você deveria considerar: ‘Existe um outro mundo …”

“Não importa o que você diga com relação a isso, Venerável Kassapa, eu ainda penso que não existe outro mundo…”—“Você tem alguma outra justificativa para essa afirmação, Príncipe?”—“Eu tenho, Venerável Kassapa.”—“Qual é, Príncipe?”

“Venerável Kassapa, suponha que tragam à minha presença um ladrão … E eu diga: ‘Executem esse homem sem ferir a sua cutícula, pele, músculos, tendões, ossos ou medula,’ e assim eles fazem. Quando ele está meio morto, eu digo: ‘Agora, deitem esse homem de costas e talvez possamos ver a sua alma emergindo.’ Eles assim fazem, mas não podemos ver a sua alma emergindo. Então eu digo: ‘Virem-no com a cara para baixo, … para o lado, … o outro lado, … coloquem-no em pé, … coloquem-no de cabeça para baixo, golpeiem-no com os punhos, … atirem pedras nele, … batam nele com paus, … golpeiem-no com espadas, … sacudam-no com isto ou aquilo e talvez possamos ver a sua alma emergindo.’ Eles fazem todas essas coisas, mas embora esse homem tenha olhos, ele não percebe objetos ou as suas bases, embora tenha ouvidos, ele não ouve sons …, embora ele tenha nariz, não cheira aromas …, embora ele tenha língua, não saboreia sabores …, embora ele tenha um corpo, não sente os tangíveis ou as suas bases. Essa, Venerável Kassapa, é a razão para afirmar: ‘Não existe outro mundo…’”

“Muito bem, então, Príncipe, eu explicarei com um símile … Certa vez, houve um trompetista que pegou o seu trompete e foi para um vilarejo na região fronteiriça. Chegando, ele foi até o centro do vilarejo e soprou o seu trompete três vezes e depois o colocou no chão e sentou-se. Então, Príncipe, as pessoas pensaram: ‘De onde vem esse som tão delicioso, tão doce, tão embriagante, tão convincente e cativante?’ Elas foram até o trompetista e perguntaram sobre isso. ‘Amigos, deste trompete é que provém esse som delicioso.’ Então elas deitaram o trompete no chão e imploraram: ‘Cante, senhor trompete, cante!’ Mas o trompete não emitiu nenhum som. Então, eles o colocaram com a boca para baixo, … de lado, … do outro lado, … em pé, … de cabeça para baixo, … golpearam-no com os punhos, … atiraram pedras nele, … bateram nele com paus, … golpearam-no com espadas, … sacudiram-no com isto ou aquilo, implorando: ‘Cante, senhor trompete, cante!’ Mas o trompete não emitiu nenhum som. O trompetista pensou: ‘Que tola essa gente fronteiriça! Estupidamente eles procuram o som do trompete!’ E enquanto aquelas pessoas o observavam, ele tomou o trompete, soprou três vezes e foi embora. E aquelas pessoas pensaram: ‘Parece que quando o trompete é acompanhado por um homem, pelo esforço e pelo vento, então ele produz um som. Mas quando não é acompanhado por um homem, pelo esforço e pelo vento, então o trompete não produz nenhum som.’”

“Do mesmo modo, Príncipe, quando este corpo tem vida, calor e consciência, então, ele vai e regressa, fica em pé e senta e deita, vê coisas com os olhos, ouve sons com os ouvidos, cheira aromas com o nariz, saboreia sabores com a língua, toca tangíiveis com o corpo e percebe os objetos mentais com a mente. Mas quando não tem vida, calor ou consciência, ele não faz nenhuma dessas coisas. Da mesma forma, Príncipe, você deveria considerar: ‘Existe um outro mundo…”

“Não importa o que você diga com relação a isso, Venerável Kassapa, eu ainda penso que não existe outro mundo …”—“Você tem alguma outra justificativa para essa afirmação, Príncipe?”—“Eu tenho, Venerável Kassapa.”—“Qual é, Príncipe?”

“Venerável Kassapa, suponha que tragam à minha presença um ladrão … E eu diga: ‘Arranquem a pele externa desse homem e talvez possamos ver a sua alma emergindo.’ Então, digo para que arranquem a pele interna, os músculos, tendões, ossos, medula … mas nós não vemos nenhuma alma escapando. Essa, Venerável Kassapa, é a razão para afirmar: ‘Não existe outro mundo …’”

“Muito bem então, Príncipe, eu explicarei com um símile … Certa vez, houve um asceta com o cabelo emaranhado e sujo que adorava o fogo e que vivia na floresta numa cabana feita de folhas. Certa tribo estava migrando e o seu líder ficou, por uma noite, próximo da moradia do adorador do fogo e depois partiu. Então, o adorador do fogo pensou que ele poderia ir até o local para ver se encontraria algo que pudesse ser útil para ele. Ele levantou cedo e foi até o local e lá ele encontrou um pequeno bebê, menino, deitado de costas, abandonado. Ao vê-lo ele pensou: ‘Não seria correto que eu o ignorasse deixando que um ser humano morra. É melhor que eu leve essa criança para a minha cabana, tome conta dela, alimente-a e crie-a.’ E assim ele fez. Quando o menino tinha dez ou doze anos, o eremita com alguns assuntos para tratar na vizinhança, disse para o menino: ‘Eu irei até a vizinhança, meu filho. Você tome conta do fogo e não permita que ele apague. Se ele apagar, aqui está um machado, aqui estão alguns gravetos para acender o fogo para que você possa reacendê-lo e cuidar dele.’ Depois de instruir o menino dessa forma, o eremita foi até a vizinhança. Mas o menino, entretido com os seus brinquedos, deixou que o fogo se apagasse. Então, ele pensou: ‘O meu pai disse: “… aqui está um machado… para que você possa reacender o fogo e cuidar dele.” Agora é melhor que eu faça isso!’ Então, ele picou os gravetos com o machado, pensando: ‘Espero que consiga acender o fogo desse modo.’ Mas ele não conseguiu acender o fogo. Ele cortou os gravetos para acender o fogo em dois, três, quatro, cinco, dez, cem pedaços, ele os lascou, ele os moeu num almofariz, ele os peneirou ao vento, pensando: ‘Espero que consiga acender o fogo desse modo.’ Mas ele não conseguiu acender o fogo, e quando o eremita regressou, depois de ter concluído os seus assuntos, ele disse: ‘Filho, porque você deixou o fogo apagar?’ e o menino relatou aquilo que havia acontecido. O eremita pensou: ‘Que estúpido é esse menino, que falta de bom senso! Que maneira mais impensada de tentar acender um fogo!’ Assim, enquanto o menino observava, ele tomou os gravetos para acender o fogo e o reacendeu, dizendo: ‘Filho, esse é o modo para reacender um fogo, não a maneira incorreta, estúpida e tola que você tentou!’

“Do mesmo modo, Príncipe, você está procurando um outro mundo de de modo incorreto, estúpido e tolo. Príncipe, abandone essa idéia perniciosa, deixe-a de lado! Não permita que ela lhe traga desgraça e sofrimento por muito tempo!”

“Muito embora você diga isso, venerável Kassapa, eu ainda não suporto abandonar essa idéia perniciosa. O Rei Pasenadi de Kosala conhece as minhas idéias e assim também os reis no estrangeiro. Se eu abandonar essas idéias, eles dirão: ‘Que tolo é o Príncipe Pāyāsi, estupidamente ele se agarrava a idéias incorretas! ’ Eu permanecerei apegado a essas idéias com raiva, desdém e ressentimento!”

“Muito bem então, Príncipe, eu explicarei com um símile … Certa vez, Príncipe, uma grande caravana com mil carroças estava viajando do leste para o oeste. E aonde quer que fossem eles rapidamente consumiam todo o capim, madeira e toda a vegetação. Agora, essa caravana tinha dois líderes, cada um responsável por quinhentas carroças. E eles pensaram: ‘Esta é uma grande caravana com mil carroças. Onde quer que nós vamos, consumimos todas as provisões. Talvez devêssemos dividir a caravana em dois grupos com quinhentas carroças cada um, ’ e assim eles fizeram. Então, um dos líderes juntou capim, madeira e água em abundância e partiu. Depois de dois ou três dias de jornada ele viu vindo na sua direção um homem escuro com os olhos vermelhos, tremendo e com uma coroa de nenúfares brancos, com as roupas e o cabelo molhados, conduzindo uma carroça puxada por um burro cujas rodas estavam salpicadas pela lama. Ao ver aquele homem, o líder disse: ‘De onde você vem, senhor?’—‘De tal e qual lugar.’—‘E para onde você vai?’—‘Para tal e qual lugar.’—‘Tem chovido muito na floresta que está mais à frente?’—‘Ah, sim senhor, tem chovido muito na floresta que está mais à frente; as estradas estão bem umedecidas e há capim, madeira e água em abundância. Jogue fora o capim, madeira e água que você traz consigo, senhor! Você avançará com maior rapidez com as carroças mais leves, e assim os bois não se cansarão!’ O líder da caravana disse para os carroceiros aquilo que o homem havia dito: ‘Joguem fora o capim, madeira e água …,’ e assim eles fizeram. Mas no acampamento seguinte eles não encontraram nenhuma capim, madeira e água, nem no segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto ou sétimo, e assim eles acabaram arruinados e aniquilados. E todos que faziam parte da caravana, homens e gado, foram devorados por aquele yakkha, só restando os seus ossos.

“E quando o líder da segunda caravana estava seguro que a primeira caravana havia avançado o suficiente, ele se abasteceu de capim, madeira e água em abundância. Depois de dois ou três dias de jornada este líder viu, vindo na sua direção, um homem escuro com os olhos vermelhos … que o aconselhou a jogar fora as suas provisões de capim, madeira e água. Então, o líder disse para os carroceiros: ‘Este homem está-nos dizendo que joguemos fora o capim, madeira e água que temos. Mas ele não é um dos nossos amigos ou parentes, então porque deveríamos confiar nele? Portanto, não joguem fora o capim, madeira e água que temos; que a caravana continue o seu caminho com as provisões que trouxemos e não joguem fora nada!’ Os carroceiros concordaram e fizeram aquilo que ele disse. E no acampamento seguinte eles não encontraram nenhum capim, madeira e água, nem no segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto ou sétimo, mas neste último eles viram que a outra caravana havia sido arruinada e aniquilada, e eles viram os ossos daqueles homens e do gado que haviam sido devorados pelo yakkha. Então, o líder da caravana disse para os carroceiros: ‘Aquela caravana foi arruinada e aniquilada devido à estupidez do seu líder. Agora deixemos para trás aquelas mercadorias de pouco valor que trazemos e tomemos da outra caravana o que há de mais valor.’ E assim eles fizeram. E com aquele líder sábio eles atravessaram a floresta em segurança.

“Do mesmo modo, Príncipe, você será arruinado e aniquilado se continuar procurando um outro mundo de modo incorreto, estúpido e tolo. Aqueles que pensam, que podem confiar em qualquer coisa que ouvirem, estão destinados à ruína e aniquilação, como aqueles carroceiros. Príncipe, abandone essa idéia perniciosa, deixe-a de lado! Não permita que ela lhe traga desgraça e sofrimento por muito tempo!”

“Muito embora você diga isso, venerável Kassapa, eu ainda não suporto abandonar essa idéia perniciosa… Se eu abandoná-la, eles dirão: ‘Que tolo é o Príncipe Pāyāsi… ’”

“Muito bem então, Príncipe, eu explicarei com um símile … Certa vez, um pastor de porcos estava indo do seu vilarejo para um outro vilarejo. Então, ele viu um monte de esterco seco que havia sido jogado fora e ele pensou: ‘Aqui há bastante esterco seco que alguém jogou fora, isso é alimento para os meus porcos. Eu devo levar isso comigo. Ele abriu a sua capa, recolheu nela o esterco, fez uma trouxa colocando-a sobre a cabeça e seguiu o seu caminho. No caminho de volta caiu uma pesada chuva, mas sem deixar de carregar a trouxa de esterco ele seguiu o seu caminho, salpicado com o esterco que se esvaia e pingava por todos os lados até a ponta dos seus dedos. Aqueles que o viam diziam: ‘Você deve estar louco! Você deve estar maluco! Porque você está carregando essa trouxa com esterco que está se esvaindo e pingando por todos os lados até a ponta dos seus dedos?’—‘Vocês é que estão loucos! Vocês é que estão malucos! Isto é comida para os meus porcos.’ Príncipe, você fala como o carregador de esterco na minha história. Príncipe, abandone essa idéia perniciosa, deixe-a de lado! Não permita que ela lhe traga desgraça e sofrimento por muito tempo!”

“Muito embora você diga isso, venerável Kassapa, eu ainda não suporto abandonar essa idéia perniciosa … Se eu abandoná-la, eles dirão: ‘Que tolo é o Príncipe Pāyāsi …’”

“Muito bem então, Príncipe, eu explicarei com um símile … Certa vez, dois jogadores estavam usando nozes no lugar de dados. Um deles, sempre que a jogada não o favorecia, engolia a noz. O outro se deu conta do que ele estava fazendo e disse: ‘Tudo bem, meu amigo, você é o vencedor! Passe me as nozes para que eu lhes faça uma oferenda.’—‘Está bem,’ disse o primeiro e lhe deu as nozes. Então, o segundo recheou as nozes com veneno e depois disse: ‘Venha, vamos jogar!’ O outro concordou e eles jogaram novamente e uma vez mais o primeiro jogador, sempre que a jogada não o favorecia, engolia a noz. O segundo ficou só observando o outro fazer isso e depois recitou este verso:

‘Os dados estão besuntados com algo que queima,
porém ele engole sem saber.
Engula, trapaceiro, engula bem—
o amargor será igual ao inferno!’

“Príncipe, você fala igual ao jogador na minha história. Príncipe, abandone essa idéia perniciosa, deixe-a de lado! Não permita que ela lhe traga desgraça e sofrimento por muito tempo!”

“Muito embora você diga isso, venerável Kassapa, eu ainda não suporto abandonar essa idéia perniciosa … Se eu abandoná-la, eles dirão: ‘Que tolo é o Príncipe Pāyāsi …’”

“Muito bem, então, Príncipe, eu explicarei com um símile … Certa vez, os habitantes de certa vizinhança migraram. E um homem disse para o seu amigo: ‘Venha, vamos até aquela vizinhança, poderemos encontrar algo de valor!’ O amigo dele concordou e assim eles foram para aquel vizinhança e chegaram numa das ruas do vilarejo. Lá eles viram um monte de cânhamo que havia sido jogado fora e um deles disse: ‘Veja este monte de cânhamo. Você faz uma trouxa, eu faço outra e nós dois levaremos isso embora,’ o outro concordou e assim eles fizeram. Então, chegando a uma outra rua do vilarejo, eles encontraram fios de cânhamo e um deles disse: ‘Essa pilha de fios de cânhamo é exatamente a razão pela qual queríamos o cânhamo. Joguemos fora a trouxa de cânhamo e sigamos cada um com um monte de fios de cânhamo.’—‘Eu já carreguei essa trouxa de cânhamo por uma longa distância e ela está bem amarrada, isso será o suficiente para mim—quanto a você, faça o que quiser!’ Assim o companheiro jogou fora o cânhamo e tomou o fio de cânhamo.

“Chegando a uma outra rua do vilarejo eles encontraram panos feitos de cânhamo e um deles disse: ‘Esta pilha de panos de cânhamo é exatamente a razão pela qual queríamos o cânhamo e os fios de cânhamo. Jogue fora a sua trouxa de cânhamo, que eu jogarei fora o meu monte de fios de cânhamo e nós seguiremos cada um com um monte de panos de cânhamo.’ Mas o outro respondeu do mesmo modo que antes, assim o companheiro jogou fora o monte de fios de cânhamo e tomou o monte de panos de cânhamo. Num outro vilarejo eles viram um monte de linho, …, em outro, fios de linho, …, em outro, panos de linho, …, em outro, algodão, …, em outro, fios de algodão, …, em outro, panos de algodão, … , em outro, ferro, …, em outro, cobre, … , em outro, estanho, …, em outro, chumbo, …, em outro, prata, … , em outro, ouro. Então um deles disse: ‘Este monte de ouro é exatamente a razão pela qual queríamos o cânhamo, fios de cânhamo, panos de cânhamo, linho, fios de linho, panos de linho, algodão, fios de algodão, panos de algodão, ferro, cobre, estanho, chumbo, prata. Jogue fora a sua trouxa de cânhamo, que eu jogarei fora o meu monte de prata e nós seguiremos cada um com um monte de ouro.’ Eu já carreguei essa trouxa de cânhamo por uma longa distância e ela está bem amarrada, isso será o suficiente para mim—quanto a você, faça o que quiser!’ Assim o companheiro jogou fora o monte de prata e tomou o monte de ouro.

“Então, eles regressaram ao vilarejo deles. Aquele que voltou com uma trouxa de cânhamo não satisfez aos seus pais, nem à sua esposa e filhos e tampouco aos seus amigos e companheiros, e ele não obteve para si mesmo nenhuma alegria ou felicidade. Mas aquele que voltou com um monte de ouro satisfez os seus pais, sua esposa e filhos, seus amigos e companheiros, e ele obteve para si mesmo muita alegria e felicidade.”

“Príncipe, você fala como o carregador de cânhamo na minha história. Príncipe, abandone essa idéia perniciosa, deixe-a de lado! Não permita que ela lhe traga desgraça e sofrimento por muito tempo!”

“Eu estava satisfeito e contente com o primeiro símile do venerável Kassapa, mas queria ouvir as respostas perspicazes dele a estas perguntas, porque supus que ele era um adversário digno. Magnífico, venerável Kassapa! Magnífico, venerável Kassapa! O venerável Kassapa esclareceu o Dhamma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as formas. Venerável Kassapa, eu busco refúgio no Abençoado, no Dhamma e na Sangha dos bhikkhus. Que o venerável Kassapa me aceite como discípulo leigo que buscou refúgio para o resto da vida. E, venerável Kassapa, eu gostaria de oferecer um grande sacrifício. Instrua-me, venerável Kassapa, como isso deve ser feito para o meu bem-estar e felicidade por muito tempo.”

“Príncipe, quando um sacrifício, onde são mortos touros, bois ou novilhos, bodes ou carneiros, ou vários outros tipos de seres vivos, é realizado; e os participantes têm entendimento incorreto, pensamento incorreto, linguagem incorreta, ação incorreta, modo de vida incorreto, esforço incorreto, atenção plena incorreta e concentração incorreta, então, esse sacrifício não traz grandes frutos ou benefícios, ele não é muito brilhante e não tem luminosidade. Suponha Príncipe, que um agricultor fosse para a floresta com um arado e sementes, e lá, num pedaço de terra não cultivado, com solo pobre, onde os tocos não tivessem sido desenraizados, ele semeasse sementes que estivessem quebradas, apodrecidas, velhas, arruinadas pelo vento e pelo calor, e que elas fossem plantadas no solo da forma inadequada, e que os devas da chuva não mandassem as chuvas no momento apropriado—essas sementes germinariam, se desenvolveriam e cresceriam, e o agricultor obteria uma colheita abundante?”—“Não, venerável Kassapa.”.

“Então, Príncipe, ocorre o mesmo com um sacrifício no qual são mortos touros … os participantes têm entendimento incorreto … concentração incorreta. Mas quando nenhuma dessas criaturas é morta e os participantes têm entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta e concentração correta, então aquele sacrifício traz grandes frutos ou benefícios, ele é muito brilhante e tem luminosidade. Suponha, Príncipe, que um agricultor fosse para a floresta com um arado e sementes, e lá, num pedaço de terra bem cultivado com solo rico, do qual os tocos tivessem sido desenraizados, ele semeasse sementes que não estivessem quebradas, apodrecidas, ou velhas, arruinadas pelo vento e pelo calor, e que elas fossem plantadas no solo de forma adequada e que os devas da chuva mandassem as chuvas no momento apropriado—essas sementes germinariam, se desenvolveriam e cresceriam, e o agricultor obteria uma colheita abundante?”—“Sim, venerável Kassapa.”

“Do mesmo modo, Príncipe, um sacrifício no qual não são mortos touros, … os participantes têm entendimento correto, … concentração correta, então, esse sacrifício traz grandes frutos ou benefícios, ele é muito brilhante e tem luminosidade.”

Então, o Príncipe Pāyāsi estabeleceu uma caridade para contemplativos e Brâmanes, peregrinos, mendigos e para os necessitados. A comida servida era arroz de segunda com mingau azedo e também a roupa oferecida era grosseira e áspera. Um jovem brâmane chamado Uttara foi colocado como responsável pela distribuição. Em relação a isso ele dizia: “Através desta caridade estou associado ao Príncipe Pāyāsi neste mundo, mas não no mundo que está além.”.

E o Príncipe Pāyāsi depois de ouvir aquelas palavras pediu que ele viesse à sua presença e aí perguntou-lhe se ele havia dito aquilo. “Sim, senhor.”—“Mas porque você disse esse tipo de coisa? Amigo Uttara, nós, que desejamos ganhar mérito, não esperamos uma recompensa pela nossa caridade?”

“Mas, senhor, a comida que você dá—arroz de segunda com mingau azedo—você não iria querer tocá-la nem com o pé, quanto menos comê-la! E as roupas grosseiras e ásperas—você não iria querer tocá-las nem com o pé, quanto menos vesti-las! Senhor, você é amável e generoso conosco, mas como podemos reconciliar tal amabilidade e generosidade com a má vontade e mesquinhez?”—“Muito bem Uttara, então, providencie para que a comida oferecida seja aquela que eu como e as roupas, as que eu visto.”—“Muito bem, senhor,” Uttara disse e assim ele fez.

E o Príncipe Pāyāsi, porque havia estabelecido aquela caridade com má vontade e não com as suas próprias mãos, sem o cuidado apropriado, como se de modo descuidado jogasse algo fora, renasceu com a dissolução do corpo, após a morte, na companhia dos Quatro Grandes Reis, na mansão vazia Serisaka. Mas Uttara, que havia dado a caridade sem má vontade, com as suas próprias mãos e com o interesse apropriado, não de modo descuidado, com a dissolução do corpo, após a morte, renasceu num destino feliz, no paraíso, na companhia dos devas do Trinta e Três.

Agora, naquela ocasião, o venerável Gavampati tinha o hábito de ir até a mansão vazia Serisaka para a sua sesta do meio-dia. E Pāyāsi foi até o venerável Gavampati e depois de cumprimentá-lo ficou em pé a um lado. E o venerável Gavampati disse o seguinte: “Quem é você, amigo?”—“Senhor, eu sou o Príncipe Pāyāsi.”—“Amigo, você não é aquele que costumava dizer: ‘Não existe outro mundo, não há seres que renascem espontaneamente, não existe fruto ou resultado de ações boas ou más’?”—“Sim, senhor, eu sou aquele que costumava dizer isso, mas fui convertido dessa idéia perniciosa pelo nobre kumāra-Kassapa.”—“E onde renasceu o jovem Brâmane Uttara, que estava a cargo da distribuição da sua caridade?”.

“Senhor, ele que deu a caridade sem má vontade … renasceu num destino feliz, no paraíso, na companhia dos devas do Trinta e Três, mas eu, que dei com má vontade … renasci aqui na mansão vazia Serisaka. Senhor, por favor, quando você retornar para o mundo humano, diga para as pessoas darem sem má vontade … e diga-lhes onde o Príncipe Pāyāsi e o jovem Brâmane Uttara renasceram.”

E assim o Venerável Gavampati, ao retornar ao mundo humano, declarou: “Vocês devem dar sem má vontade, com as próprias mãos e com o cuidado apropriado, não de modo descuidado. O Príncipe Pāyāsi não fez isso e com a dissolução do corpo, após a morte, ele renasceu na companhia dos Quatro Grandes Reis na mansão vazia de Serisaka, enquanto que o administrador da sua caridade, o jovem Brâmane Uttara, que deu sem má vontade, com as suas próprias mãos e com o cuidado apropriado, não de modo descuidado, renasceu na companhia dos devas do Trinta e Três.”