Dīgha Nikāya 9

Potthapada Sutta

Estados de Consciência

Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava em Savathi no Bosque de Jeta, no Parque de Anathapindika. Naquela ocasião o errante Potthapada estava no salão de debates próximo à árvore Tinduka, no parque da rainha Mallika, com um grande grupo de cerca de trezentos errantes.

Então, ao amanhecer, o Abençoado se vestiu e tomando a tigela e o manto externo foi para Savathi para esmolar alimentos. Mas ele pensou o seguinte: “Ainda é muito cedo para ir até Savathi para esmolar alimentos. E se eu fosse até o salão de debates para ver o errante Potthapada?” E assim ele fez.

Lá estava Potthapada com uma grande assembléia de errantes que estavam fazendo uma grande baderna, conversando em voz alta e aos berros sobre muitos assuntos inúteis, tal como falar sobre reis, ladrões, ministros de estado, exércitos, alarmes e batalhas; comida e bebida, roupas, mobília, ornamentos e perfumes, parentes; veículos; vilarejos, vilas, cidades, o campo; mulheres e heróis; as fofocas das ruas e do poço; contos dos mortos; contos da diversidade (discussões filosóficas do passado e futuro), a criação do mundo e do mar e falar sobre a existência ou não das coisas.

Então Potthapada viu o Abençoado chegando à distância. Ao vê-lo, ele silenciou a assembléia dizendo o seguinte: “Senhores, fiquem quietos; senhores, não façam ruído. Ali vem o contemplativo Gotama. Esse venerável gosta do silêncio e recomenda o silêncio. Talvez, se ele encontrar a nossa assembléia em silêncio, pensará em juntar-se a nós.” Então os errantes ficaram em silêncio.

O Abençoado foi até Potthapada, que lhe disse: “Venha venerável senhor! Bem vindo venerável senhor! Já faz muito tempo desde que o venerável senhor encontrou uma oportunidade para vir aqui. Que o venerável senhor sente; este assento está preparado.”

O Abençoado sentou no assento que havia sido preparado e Potthapada sentou a um lado, num assento mais baixo. O Abençoado disse: “Qual é o assunto que faz com que vocês estejam sentados juntos aqui agora, Potthapada? E qual é a discussão que foi interrompida?”

“Venerável Senhor, deixemos de lado a discussão pela qual estamos aqui sentados juntos. O Abençoado poderá ouví-la mais tarde. Nos últimos dias, venerável senhor, a discussão entre os contemplativos e brâmanes de várias seitas que se reúnem no salão de debates diz respeito à cessação última da percepção, e como esta ocorre. Alguns disseram: ‘As percepções de uma pessoa surgem e cessam sem causa e condição. Quando elas surgem, a pessoa está perceptiva, quando elas cessam, então ela está não perceptiva.’ Assim é como eles explicaram. Mas um outro grupo disse: ‘Não, não é assim. As percepções são o eu de uma pessoa, que vêm e vão. Quando vêm, ela está perceptiva, quando vão, ela está não perceptiva.’ Um outro disse: ‘Não é assim. Existem contemplativos e brâmanes com grandes poderes, com grande influência. Eles empurram a percepção para dentro da pessoa e a retiram. Quando eles a empurram, ela está perceptiva, quando eles a retiram, ela está não perceptiva.’ E um outro disse: ‘Não, não é assim. Existem divindades com grandes poderes, com grande influência. Elas empurram a percepção para dentro da pessoa e a retiram. Quando elas a empurram, a pessoa está perceptiva, quando elas a retiram, a pessoa está não perceptiva.’ Foi com relação a isso que lembrei do venerável senhor: ‘Ah, o Abençoado! Ah, o Iluminado! Que com certeza tem grande habilidade nesse tipo de questões. O Abençoado tem grande habilidade na cessação última da percepção.’ O que então, venerável senhor, é a cessação última da percepção?”

“Com relação a isso, Potthapada, aqueles contemplativos e brâmanes que dizem que as percepções de uma pessoa surgem e cessam sem causa e condição estão completamente errados. Por que isso? As percepções de uma pessoa surgem e cessam devido a causas e condições. Algumas percepções surgem através do treinamento e algumas cessam através do treinamento. O que é esse treinamento? Potthapada, um Tathāgata surge no mundo, um arahant , perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime. Ele declara—tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto—este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o Dhamma, com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada. Um discípulo segue a vida santa e pratica a virtude (Veja o DN 2, versos 41–62). Isso para ele é a virtude.

“E então, Potthapada, aquele bhikkhu que tem a virtude consumada não vê perigo em lugar nenhum … (Veja o DN 2, verso 63) … Assim é como um bhikkhu é consumado em virtude.

“Ao ver uma forma com o olho, um bhikkhu não se agarra aos seus sinais ou detalhes … (veja o DN 2, versos 64–75). Tendo alcançado o primeiro jhana ele permanece nele. E a percepção da sensualidade que ele tinha antes cessa e nesse momento está presente a verdadeira e refinada percepção de êxtase e felicidade nascidos do afastamento. Nessa ocasião ele está perceptivo a esse verdadeiro e refinado êxtase e felicidade. Dessa forma algumas percepções surgem através do treinamento e algumas cessam através do treinamento.

“E depois, abandonando o pensamento aplicado e sustentado, um bhikkhu entra e permanece no segundo jhana, que é caracterizado pela segurança interna e perfeita unicidade da mente, sem o pensamento aplicado e sustentado, com o êxtase e felicidade nascidos da concentração. A sua verdadeira e refinada percepção de êxtase e felicidade anterior, nascida do afastamento, cessa, e nesse momento está presente a verdadeira e refinada percepção de êxtase e felicidade nascidos da concentração. Nessa ocasião ele está perceptivo a esse verdadeiro e refinado êxtase e felicidade. Dessa forma algumas percepções surgem através do treinamento e algumas cessam através do treinamento.

“E depois, abandonando o êxtase, um bhikkhu entra e permanece no terceiro jhana que é caracterizado pela felicidade sem o êxtase, acompanhada pela atenção plena, plena consciência e equanimidade, acerca do qual os nobres declaram: ‘Ele permanece numa estada feliz, equânime e plenamente atento.’ A sua verdadeira e refinada percepção de êxtase e felicidade anterior, nascida da concentração, cessa, e nesse momento está presente a verdadeira e refinada percepção de equanimidade. Nessa ocasião ele está perceptivo a essa verdadeira e refinada equanimidade. Dessa forma algumas percepções surgem através do treinamento e algumas cessam através do treinamento.

“E depois, com o completo desaparecimento da felicidade, um bhikkhu entra e permanece no quarto jhana, que possui nem felicidade nem sofrimento, com a atenção plena e a equanimidade purificadas. A sua verdadeira e refinada percepção de equanimidade anterior, cessa, e nesse momento está presente a verdadeira e refinada percepção da atenção plena e a equanimidade purificadas. Nessa ocasião ele está perceptivo a essa verdadeira e refinada atenção plena e equanimidade purificadas. Dessa forma algumas percepções surgem através do treinamento e algumas cessam através do treinamento.

“E depois, com a completa superação das percepções da forma, com o desaparecimento das percepções do contato sensorial, sem dar atenção às percepções da diversidade, consciente de que o ‘espaço é infinito,’ ele entra e permanece na base do espaço infinito. A sua verdadeira e refinada percepção da atenção plena e a equanimidade purificadas anterior, cessa, e nesse momento está presente a verdadeira e refinada percepção da dimensão do espaço infinito. Nessa ocasião ele está perceptivo a essa verdadeira e refinada dimensão do espaço infinito. Dessa forma algumas percepções surgem através do treinamento e algumas cessam através do treinamento.

“E depois, com a completa superação da base do espaço infinito, consciente de que a ‘consciência é infinita,’ ele entra e permanece na base da consciência infinita. A sua verdadeira e refinada percepção da dimensão do espaço infinito, cessa, e nesse momento está presente a verdadeira e refinada percepção da dimensão da consciência infinita. Nessa ocasião ele está perceptivo a essa verdadeira e refinada dimensão da consciência infinita. Dessa forma algumas percepções surgem através do treinamento e algumas cessam através do treinamento.

“E depois, com a completa superação da base da consciência infinita, consciente de que ‘não há nada,’ ele entra e permanece na base do nada. A sua verdadeira e refinada percepção da dimensão da consciência infinita, cessa, e nesse momento está presente a verdadeira e refinada percepção da dimensão do nada. Nessa ocasião ele está perceptivo a essa verdadeira e refinada dimensão do nada. Dessa forma algumas percepções surgem através do treinamento e algumas cessam através do treinamento.

“Potthapada, a partir do momento em que um bhikkhu alcançou esse controle da percepção, ele prossegue através de passos atentos sucessivos até que alcance o pico da percepção. Quando ele alcança o pico da percepção o pensamento lhe ocorre: ‘Pensar é ruim para mim, não pensar é melhor. Se eu pensar e querer, essa percepção cessaria, e uma percepção mais grosseira surgiria. E se eu não pensasse nem quisesse?’ Assim ele não pensa nem quer, e enquanto ele não pensa nem quer, aquela percepção cessa e outra percepção grosseira não surge. Ele alcança a cessação. E assim, Potthapada, é a forma como ocorre através de passos atentos sucessivos a realização da cessação última da percepção.

“O que você pensa Potthapada? Você já havia ouvido isso antes?” “Não, venerável senhor. Como eu entendo, o Abençoado disse: ‘Potthapada, a partir do momento em que um bhikkhu alcançou esse controle da percepção, ele prossegue através de passos atentos sucessivos até que alcance o pico da percepção … Ele alcança a cessação… E assim é a forma como ocorre através de passos atentos sucessivos a realização da cessação última da percepção.’” “Isso é correto, Potthapada.”

“Mas venerável senhor, o Abençoado descreve apenas um pico da percepção ou vários?”

“Eu descrevo um e vários picos da percepção.”

“E como o Abençoado descreve um e vários?”

“De acordo com o modo como ele alcança a cessação, Potthapada, desse modo eu descrevo o pico da percepção. Assim é como descrevo um pico da percepção e vários picos da percepção.”

“Agora, venerável senhor, a percepção surge primeiro e o conhecimento depois, ou o conhecimento surge primeiro e a percepção depois, ou a percepção e o conhecimento surgem simultaneamente?”

“Potthapada, a percepção surge primeiro, depois o conhecimento. E o surgimento do conhecimento ocorre do surgimento da percepção. Ele compreende que: ‘É na dependência disso que surgiu o meu conhecimento.’ Dessa forma é possível ver que a percepção surge primeiro, e o conhecimento depois, e o surgimento do conhecimento ocorre do surgimento da percepção.”

“Agora, venerável senhor, a percepção é o eu da pessoa, ou a percepção é uma coisa e o eu outra?”

“Bem, Potthapada, qual eu você afirma?”

“Senhor, eu afirmo um eu grosseiro, possuído de forma, composto dos quatro elementos e que se alimenta de comida.”

“Mas com tal eu grosseiro, Potthapada, então para você a percepção seria uma coisa e o eu outra. Você pode ver isso da seguinte forma: mesmo enquanto esse eu grosseiro permanece, algumas percepções surgem e outras desaparecem. Assim você pode ver que a percepção tem que ser uma coisa, o eu outra.

“Então, venerável senhor, eu afirmo um eu feito pela mente, completo com todas as suas partes, sem defeito em nenhuma das faculdades.”

“Mas com tal eu feito pela mente, Potthapada, então para você a percepção seria uma coisa e o eu outra. Você pode ver isso da seguinte forma: mesmo enquanto esse eu feito pela mente permanece, algumas percepções surgem e outras desaparecem. Assim você pode ver que a percepção tem que ser uma coisa, o eu outra.”

“Venerável senhor, eu afirmo um eu sem forma feito de percepção.”

“Mas com tal eu sem forma feito de percepção, Potthapada, então para você a percepção seria uma coisa e o eu outra. Você pode ver isso da seguinte forma: mesmo enquanto esse eu sem forma feito de percepções permanece, algumas percepções surgem e outras desaparecem. Assim você pode ver que a percepção tem que ser uma coisa, o eu outra.”

“Mas venerável senhor, é possível que eu saiba se a percepção é o eu de uma pessoa, ou se a percepção é uma coisa e o eu outra?”

“Potthapada, é difícil para alguém que possua outras idéias, aceita outros ensinamentos, aprova outros ensinamentos, dedicando-se a um outro treinamento e seguindo um outro mestre saber se a percepção é o eu de uma pessoa, ou se a percepção é uma coisa e o eu outra.”

“Bem, venerável senhor, se essa questão do eu e da percepção é difícil para alguém como eu—diga-me: O mundo é eterno? Somente isso é verdadeiro e todo o restante é falso?”

“Potthapada, eu não declarei que o mundo é eterno e que todo o restante é falso.”

“Bem, venerável senhor, o mundo não é eterno?”

“Eu não declarei que o mundo não é eterno …”

“Bem, venerável senhor, o mundo é infinito … é finito? …”

“Eu não declarei que o mundo é finito e que todo o restante é falso.”

“Bem, venerável senhor, a alma é a mesma coisa que o corpo … a alma é uma coisa e o corpo outra?”

“Eu não declarei que a alma é uma coisa e o corpo outra.”

“Bem, venerável senhor, o Tathāgata existe após a morte? Somente isso é verdadeiro e todo o restante é falso?”

“Eu não declarei que o Tathāgata existe após a morte …”

“Bem, venerável senhor, o Tathāgata não existe após a morte … ambos existe e não existe após a morte? … nem existe, nem não existe após a morte?”

“Eu não declarei que o Tathāgata nem existe, nem não existe após a morte, e que todo o restante é falso.”

“Mas, venerável senhor, por que o Abençoado não declarou essas coisas?”

“Potthapada, essas coisas não trazem beneficio, não pertencem aos fundamentos da vida santa, não conduzem ao desencantamento, ao desapego, à cessação, à paz, ao conhecimento direto, à iluminação, a Nibbana. É por isso que eu não declarei isso.”

“Mas, venerável senhor, o que o Abençoado declarou?”

“Potthapada, eu declarei: ‘Isto é o sofrimento, esta é a origem do sofrimento, esta é a cessação do sofrimento e este é o caminho que conduz à cessação do sofrimento.’”

“Mas, venerável senhor, por que o Abençoado declarou isso?”

“Porque Potthapada, isso traz benefício, pertence aos fundamentos da vida santa, conduz ao desencantamento, ao desapego, à cessação, à paz, ao conhecimento direto, à iluminação, a Nibbana. É por isso que eu declarei isso.”

“Assim é, venerável senhor, assim é, Abençoado. E agora é o momento para que o Abençoado faça o que for mais apropriado.” Então o Abençoado levantou do seu assento e partiu.

Então os errantes, assim que o Abençoado partiu, censuraram, zombaram e mofaram de Potthapada de todas as formas, dizendo: “Tudo que o contemplativo Gotama diz, Potthapada concorda com ele: ‘Assim é, venerável senhor, assim é, Abençoado!’ Nós não entendemos uma palavra em todo o discurso do contemplativo Gotama: ‘O mundo é eterno ou não?—É finito ou infinito?—A alma é a mesma coisa que o corpo ou diferente?—O Tathāgata existe após a morte ou não, ou ambos, ou nenhuma delas?’”

Potthapada respondeu: “Eu também não entendo se o mundo é eterno ou não … ou se o Tathāgata existe após a morte ou não, ou ambos, ou nenhuma delas. Mas o contemplativo Gotama ensina uma forma de prática real e verdadeira que está de acordo com o Dhamma e fundamentada no Dhamma. E por que um homem como eu não deveria expressar aprovação por uma prática real e verdadeira como essa, tão bem ensinada pelo contemplativo Gotama?”

Dois ou três dias depois, Citta, o filho do treinador de elefantes, foi com Potthapada ver o Abençoado. Citta homenageou o Abençoado e sentou a um lado. Potthapada cumprimentou o Abençoado, sentou a um lado e contou o que aconteceu.

“Potthapada, todos esses errantes são cegos e sem visão, você é o único entre eles que possui visão. Algumas coisas eu ensinei e apontei, Potthapada, como sendo definidas, outras como sendo indefinidas. Quais coisas apontei como indefinidas? ‘O mundo é eterno’ declarei como sendo indefinido …’ O Tathāgata existe após a morte …’ Por que? Porque elas não trazem benefício … a Nibbana. É por isso que eu as declarei como indefinidas.

“Mas, quais coisas eu apontei como definidas? ‘Isto é sofrimento, esta é a origem do sofrimento, esta é a cessação do sofrimento e este é o caminho que conduz à cessação do sofrimento.’ Por que? Porque elas trazem benefício, pertencem aos fundamentos da vida santa, conduzem ao desencantamento, ao desapego, à cessação, à paz, ao conhecimento direto, à iluminação, a Nibbana. É por isso que eu as declarei como definidas.

“Potthapada, há alguns contemplativos e brâmanes que declaram e acreditam que após a morte o eu fica completamente feliz e livre de enfermidades. Eu fui até eles e perguntei se de fato era isso que eles declaravam e acreditavam, e eles responderam: ‘Sim.’ Então eu disse: ‘Vocês, amigos, vivendo no mundo, o conhecem e vêm como um lugar plenamente feliz?’ E eles responderam: ‘Não’. Eu disse: ‘Vocês já experimentaram uma noite ou dia ou metade de uma noite ou dia que fosse, completamente feliz?’ e eles responderam: ‘Não.’ Eu disse: ‘Vocês conhecem um caminho ou uma prática através da qual um mundo completamente feliz possa ser produzido?’ e eles responderam: ‘Não.’ Eu disse: ‘Vocês ouviram as vozes de divindades que renasceram num mundo completamente feliz, dizendo: “Pratiquem bem, estimados senhores. Pratiquem com diligência, estimados senhores, para alcançar um mundo completamente feliz, porque foi através dessa prática que nós mesmos renascemos neste mundo completamente feliz”?’ e eles responderam: ‘Não.’ O que você pensa Potthapada? Sendo esse o caso, a conversa daqueles contemplativos e brâmanes não seriam apenas tolices?” “Sim, venerável senhor, sendo esse o caso, a conversa daqueles contemplativos e brâmanes seriam apenas tolices.”

“É o mesmo que se um homem dissesse: ‘Eu estou apaixonado pela moça mais bonita deste pais.’ Então lhe perguntariam: ‘Bom homem, essa moça mais bonita deste pais pela qual você está apaixonado—você sabe se ela é da classe nobre ou da classe dos brâmanes ou da classe dos comerciantes ou da classe dos trabalhadores?’ e ele responderia: ‘Não.’ Então lhe perguntariam: ‘Bom homem, essa moça mais bonita deste pais com a qual você está apaixonado—você sabe o nome e o clã dela? … Se ela é alta ou baixa ou com estatura média?… Se ela tem a complexão escura, clara ou dourada?… Em qual vilarejo, vila ou cidade ela vive?’ e ele responderia: ‘Não.’ E então lhe perguntariam: ‘Bom homem, você então está apaixonado por uma moça que você nem conhece ou viu?’ e ele responderia: ‘Sim.’ O que você pensa, Potthapada, em sendo assim, a conversa daquele homem não seria apenas tolice?” “Sim, venerável senhor, a conversa … apenas tolice.”

“E assim também é com esses contemplativos e brâmanes que declaram e acreditam que após a morte o eu fica completamente feliz e livre de enfermidades … a conversa daqueles contemplativos e brâmanes não seriam apenas tolices?”—“Sim, venerável senhor, sendo … apenas tolices.”

“É como se um homem fosse construir uma escadaria para um palácio numa encruzilhada. As pessoas poderiam dizer: ‘Essa escadaria para o palácio—você sabe se a frente do palácio estará para o leste ou oeste, norte ou sul ou se o palácio será alto, baixo ou médio?’ e ele diria: ‘Não.’ E elas poderiam dizer: ‘Bem então, você não sabe ou imagina para que tipo de palácio está construindo a escadaria?’ e ele responderia: ‘Não.’ A conversa daquele homem não seria apenas tolice?”—“Sim, venerável senhor, a conversa … apenas tolice.”

(igual ao verso 34)

“Potthapada, há essas três aquisições de um eu: o eu grosseiro, o eu feito pela mente, o eu adquirido sem forma. O que é o eu grosseiro? Possui forma, composto dos quatro grandes elementos, alimentado por comida. O que é o eu feito pela mente? Possui forma, completo com todas as suas partes, sem defeito em nenhuma das faculdades. O que é o eu sem forma? Sem forma e feito de percepção.

“Eu ensino o Dhamma para o abandono do eu grosseiro, de tal modo que ao praticá-lo, as qualidades mentais impuras sejam abandonadas e as qualidades mentais luminosas se fortaleçam, e você entre e permaneça na culminação e perfeição da sabedoria aqui e agora, tendo realizado e alcançado isso por você mesmo. Se o pensamento lhe ocorrer que quando as qualidades mentais impuras são abandonadas e as qualidades mentais luminosas se fortalecem, e você entrar e permanecer na culminação e perfeição da sabedoria aqui e agora, tendo realizado e alcançado isso por você mesmo, você estará permanecendo com o sofrimento, isso não deve ser visto dessa forma. Quando as qualidades mentais impuras são abandonadas e as qualidades mentais luminosas se fortalecem, e você entra e permanece na culminação e perfeição da sabedoria aqui e agora, tendo realizado e alcançado isso por você mesmo, não há nada além de felicidade, êxtase, tranqüilidade, atenção plena e plena consciência, e uma permanência feliz e prazerosa.

“Eu também ensino o Dhamma para o abandono do eu feito pela mente … (igual ao verso 40).

“Eu também ensino o Dhamma para o abandono do eu sem forma … (igual ao verso 40).

“No passado fui perguntado: ‘O que amigo é esse eu grosseiro para cujo abandono você ensina o Dhamma, de tal modo que ao praticá-lo, as qualidades mentais impuras sejam abandonadas e as qualidades mentais luminosas se fortaleçam, e você entre e permaneça na culminação e perfeição da sabedoria aqui e agora, tendo realizado e alcançado isso por você mesmo?’ Sendo perguntado dessa forma, eu respondi: ‘Esse é o eu grosseiro, para cujo abandono ensino o Dhamma …’”

“No passado fui perguntado: ‘O que amigo é esse eu feito pela mente …?’” (igual ao verso 43).

“No passado fui perguntado: ‘O que amigo é esse eu sem forma …?’ (igual ao verso 43). O que você pensa Potthapada? Esse enunciado não se torna bem fundamentado?”—“Certamente, venerável senhor, esse enunciado se torna bem fundamentado.”

“É o mesmo que se um homem construísse uma escadaria para um palácio que estivesse abaixo daquele palácio. As pessoas poderiam lhe perguntar: ‘E agora, essa escadaria que você está construindo para um palácio, você sabe se o palácio estará de frente para o leste, ou oeste, ou norte, ou sul, ou se será alto, baixo ou médio?’ e ele diria: ‘Essa escadaria está exatamente embaixo do palácio.’ Você não pensa que a afirmação desse homem estaria bem fundamentada?”—“Certamente, venerável senhor, essa afirmação estaria bem fundamentada.”

“Da mesma forma, no passado fui perguntado: ‘O que é esse eu grosseiro …?’ ‘O que é esse eu feito pela mente …?’ ‘O que é esse eu sem forma …?’ eu respondi: ‘Esse é o eu adquirido (grosseiro, feito pela mente, sem forma) para cujo abandono ensino o Dhamma, de tal modo que ao praticá-lo, as qualidades mentais impuras sejam abandonadas e as qualidades mentais luminosas se fortaleçam, e você entre e permaneça na culminação e perfeição da sabedoria aqui e agora, tendo realizado e alcançado isso por você mesmo.’ Você não pensa que essa afirmação estaria bem fundamentada?”—“Certamente, venerável senhor, essa afirmação estaria bem fundamentada.”

Com isso, Citta, o filho do treinador de elefantes, disse ao Abençoado: “Venerável senhor, sempre que o eu grosseiro está presente, seria errado assumir a existência do eu feito pela mente, ou do eu sem forma? Então somente o eu grosseiro é verdadeiro? E assim com o eu feito pela mente e o eu sem forma?”

“Citta, sempre que o eu grosseiro está presente, este não é classificado quer seja como um eu feito pela mente nem é classificado como um eu sem forma. É classificado apenas como um eu grosseiro. Sempre que o eu feito pela mente está presente, este não é classificado quer seja como um eu grosseiro nem como um eu sem forma. É classificado apenas como um eu feito pela mente. Sempre que o eu sem forma está presente, este não é classificado quer seja como um eu grosseiro nem como um eu feito pela mente. É classificado apenas como um eu sem forma.

“Citta, suponha que lhe perguntem: ‘Você existiu no passado ou você não existiu, você existirá no futuro ou você não existirá?’ como você responderia?”

“Venerável senhor, se me perguntassem isso, eu responderia: ‘Eu existi no passado, eu não não existi; eu existirei no futuro, eu não não existirei; eu existo agora, eu não não existo.’ Assim, Senhor, seria a minha resposta.”

“Mas, Citta, se eles perguntassem: ‘O eu que você tinha no passado, essa foi a sua única aquisição verdadeira de um eu, e a do futuro e a do presente são falsas? Ou é aquela que você terá no futuro a sua única aquisição verdadeira de um eu, e a do passado e a do presente são falsos? Ou o eu adquirido no presente é o único verdadeiro, e as aquisições do passado e do futuro são falsas?’ como você responderia?”

“Venerável senhor, se eles me perguntassem isso, eu responderia: ‘Meu eu adquirido no passado era naquela ocasião a única verdadeira aquisição de um eu, as do futuro e do presente eram falsas. O meu eu adquirido no futuro será então a única verdadeira aquisição de um eu, as do passado e do presente serão falsas. Meu eu adquirido no presente é agora a única verdadeira aquisição de um eu, as do passado e do futuro são falsas.’ Assim é como eu responderia.”

“Da mesma forma, Citta, sempre que o eu grosseiro está presente, este não é classificado quer seja como um eu feito pela mente nem é classificado como um eu sem forma … apenas como um eu sem forma.

“Da mesma forma, Citta, da vaca obtemos o leite, do leite a coalhada, da coalhada a manteiga, da manteiga a manteiga líquida e da manteiga líquida o creme da manteiga líquida. E quando há leite, não falamos de coalhada, de manteiga, de manteiga líquida, de creme da manteiga líquida, falamos de leite; quando há coalhada, não falamos de manteiga …; quando há creme de manteiga líquida … falamos de creme de manteiga líquida.

“Assim também, sempre que o eu grosseiro está presente, este não é classificado quer seja como um eu feito pela mente nem é classificado como um eu sem forma. É classificado apenas como um eu grosseiro. Sempre que o eu feito pela mente está presente, este não é classificado quer seja como um eu grosseiro nem como um eu adquirido sem forma. É classificado apenas como um eu feito pela mente. Sempre que o eu sem forma está presente, este não é classificado quer seja como um eu grosseiro nem como um eu feito pela mente. É classificado apenas como um eu sem forma. Mas, Citta, esses são apenas nomes, expressões, modos de linguagem, designações de uso corrente no mundo, que o Tathāgata usa sem se agarrar nelas.”

Quando isso foi dito, o errante Potthapada disse para o Abençoado: “Magnífico, Mestre Gotama! Magnífico, Mestre Gotama! Mestre Gotama esclareceu o Dhamma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as formas. Eu busco refúgio no Mestre Gotama, no Dhamma e na Sangha. Que o Mestre Gotama me aceite como um discípulo leigo que nele buscou refúgio para o resto da vida!”

Mas Citta, o filho do treinador de elefantes, disse para o Abençoado: “Magnífico, Mestre Gotama! Magnífico, Mestre Gotama! Mestre Gotama esclareceu o Dhamma de várias formas, como se tivesse colocado em pé o que estava de cabeça para baixo, revelasse o que estava escondido, mostrasse o caminho para alguém que estivesse perdido ou segurasse uma lâmpada no escuro para aqueles que possuem visão pudessem ver as formas. Eu busco refúgio no Mestre Gotama, no Dhamma e na Sangha. Que eu possa receber a admissão na vida santa sob o Mestre Gotama, que eu possa receber a admissão completa!”

E Citta, o filho do treinador de elefantes, recebeu a admissão na vida santa sob o Abençoado e a admissão completa. Permanecendo só, isolado, diligente, ardente e decidido, em pouco tempo, o Venerável Citta alcançou e permaneceu no objetivo supremo da vida santa pelo qual membros de um clã deixam a vida em família pela vida santa, tendo conhecido e realizado por si mesmo no aqui e agora. Ele soube: “O nascimento foi destruído, a vida santa foi vivida, o que deveria ser feito foi feito, não há mais vir a ser a nenhum estado.” E assim o Venerável Citta, filho do treinador de elefantes, tornou-se mais um dos Arahants.