Majjhima Nikāya 38

Mahā­taṇhā­saṅkhaya Sutta

O Grande Discurso sobre a Destruição do Desejo

Ambiente

Assim ouvi. Em certa ocasião o Abençoado estava em Sāvatthī, no Bosque de Jeta, no Parque de Anātha­piṇḍika.

Agora, naquela ocasião uma idéia perniciosa havia surgido na mente de um bhikkhu chamado Sati, filho de um pescador: “Da forma como eu entendo, o Dhamma ensinado pelo Abençoado é a mesma consciência que se move e perambula pelo ciclo de renascimentos e não uma outra.”

Muitos bhikkhus, tendo ouvido isso, foram até o bhikkhu Sati e perguntaram: “Amigo Sati, é verdade que essa idéia perniciosa surgiu na sua mente?”

“Exatamente, amigos. Da forma como eu entendo, o Dhamma ensinado pelo Abençoado é a mesma consciência que se move e perambula pelo ciclo de renascimentos e não uma outra.”

Então aqueles bhikkhus, desejando que ele deixasse de lado aquela idéia perniciosa, o pressionaram, questionaram e examinaram desta forma: “Amigo Sati, não diga isto. Não deturpe o Abençoado; não é bom deturpar o Abençoado. O Abençoado não falaria dessa forma. Pois, em muitos discursos o Abençoado declarou que a consciência possui origem dependente, já que sem uma condição não existe a origem da consciência.”

Apesar disso, mesmo tendo sido pressionado, questionado e examinado por eles desta forma, o bhikkhu Sati, filho de um pescador, ainda assim, obstinadamente manteve a sua idéia perniciosa e continuou insistindo nela.

Visto que os bhikkhus foram incapazes de fazer com que ele se separasse dessa idéia perniciosa, eles se dirigiram até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo, sentaram a um lado e relataram o que havia ocorrido, adicionando: “Venerável senhor, visto que fomos incapazes de fazer com que o bhikkhu Sati, filho de um pescador, se separasse dessa idéia perniciosa, nós estamos reportando este assunto ao Abençoado.”

Então, o Abençoado se dirigiu a um certo bhikkhu desta forma: “Venha, bhikkhu, diga em meu nome, ao bhikkhu Sati, filho de um pescador, que o Mestre o chama.”—“Sim, venerável senhor,” ele respondeu e foi até o bhikkhu Sati e lhe disse: “O Mestre o chama, amigo Sati.”

“Sim, Amigo”, ele respondeu, e foi até o Abençoado, após cumprimentá-lo, sentou a um lado. O Abençoado então lhe perguntou: “Sati, é verdade que a seguinte idéia perniciosa surgiu em você: ‘Da forma como eu entendo, o Dhamma ensinado pelo Abençoado é a mesma consciência que se move e perambula pelo ciclo de renascimentos e não uma outra?’”

“Exatamente isso, venerável senhor. Da forma como eu entendo, o Dhamma ensinado pelo Abençoado é a mesma consciência que se move e perambula pelo ciclo de renascimentos e não uma outra.”

“O que é essa consciência, Sati?”

“Venerável senhor, é aquilo que fala e sente e experimenta aqui e ali o resultado de boas e más ações.”

“Homem tolo, para quem você me viu ensinar o Dhamma dessa forma? Homem tolo, eu não declarei em muitos discursos que a consciência possui origem dependente, já que sem uma condição não existe a origem da consciência? Mas você, homem tolo, nos deturpou com o seu entendimento incorreto, causou prejuízo para si mesmo e acumulou muito demérito; pois isto lhe causará dano e sofrimento por um longo tempo.”

Então, o Abençoado se dirigiu aos bhikkhus desta forma: “Bhikkhus, o que vocês pensam? Este bhikkhu Sati, filho de um pescador, proporcionou algum lampejo de sabedoria para este Dhamma e Disciplina?”

“Como poderia ele, venerável senhor? Não, venerável senhor.”

Quando isto foi dito, o bhikkhu Sati, filho de um pescador, permaneceu sentado em silêncio, consternado, com os ombros caídos e a cabeça baixa, deprimido e sem resposta. Então, vendo isso, o Abençoado lhe disse: “Homem tolo, você será reconhecido por sua própria idéia perniciosa. Eu questionarei os bhikkhus sobre este assunto.”

Então, o Abençoado se dirigiu aos bhikkhus desta forma: “Bhikkhus, vocês entendem o Dhamma que eu ensino da mesma forma que este bhikkhu Sati, filho de um pescador, entende quando ele nos deturpa com o seu entendimento incorreto e causa dano para si mesmo e acumula muito demérito?”

“Não, venerável senhor. Pois em muitos discursos o Abençoado declarou que a consciência possui origem dependente, já que sem uma condição não existe a origem da consciência.”

“Muito bem, bhikkhus. É bom que vocês entendam dessa forma o Dhamma que eu ensino. Pois em muitos discursos eu declarei que a consciência possui origem dependente, já que sem uma condição não existe a origem da consciência. Mas este bhikkhu Sati, filho de um pescador, nos deturpa com o seu entendimento incorreto e causa prejuízo para si mesmo e acumula muito demérito; pois isto levará esse homem tolo ao dano e sofrimento por um longo tempo.

Condicionalidade da Consciência

“Bhikkhus, a consciência é designada pela condição particular de dependência, dependendo do que ela surge. Quando a consciência surge na dependência do olho e das formas, ela é designada a consciência no olho; quando a consciência surge na dependência do ouvido e dos sons, ela é designada a consciência no ouvido; quando a consciência surge na dependência do nariz e dos aromas, ela é designada a consciência no nariz; quando a consciência surge na dependência da língua e dos sabores, ela é designada a consciência na língua; quando a consciência surge na dependência do corpo e dos tangíveis, ela é designada a consciência no corpo; quando a consciência surge na dependência da mente e dos objetos mentais, ela é designada a consciência na mente. Da mesma forma como o fogo é designado pela condição particular de dependência, dependendo do que ele arde—quando o fogo arde na dependência de lenha, ele é designado um fogo de lenha; quando o fogo arde na dependência de gravetos, ele é designado um fogo de gravetos; quando o fogo arde na dependência de capim, ele é designado um fogo de capim; quando um fogo arde na dependência de estrume de vaca ele é designado um fogo de estrume de vaca; quando um fogo arde na dependência de palha, ele é designado como um fogo de palha; quando um fogo arde na dependência de lixo, ele é designado um fogo de lixo—assim também a consciência é designada pela condição particular de dependência, dependendo do que ela surge. Quando a consciência surge na dependência do olho e das formas, ela é designada a consciência no olho … quando a consciência surge na dependência da mente e dos objetos mentais, ela é designada a consciência na mente.

Questionário Geral sobre o Ser/Existir

“Bhikkhus, vocês vêm: ‘Isto surgiu?’”—“Sim, venerável senhor.”—“Bhikkhus, vocês vêm: ‘A sua origem ocorre tendo aquilo como alimento?’”—“Sim, venerável senhor.”—“Bhikkhus, vocês vêm: ‘Com a cessação daquele alimento, aquilo que surgiu está sujeito a cessar?’”—“Sim, venerável senhor.”

“Bhikkhus, a dúvida surge quando existe esta incerteza: ‘Isto surgiu ou não?’”—“Sim, venerável senhor.”—“Bhikkhus, a dúvida surge quando existe esta incerteza: ‘A sua origem ocorre tendo aquilo como alimento, ou não?’”—“Sim, venerável senhor.”—“Bhikkhus, a dúvida surge quando existe esta incerteza: ‘Com a cessação daquele alimento, aquilo que surgiu está sujeito a cessar, ou não?’”—“Sim, venerável senhor.”

“Bhikkhus, a dúvida é abandonada naquele que vê, como na verdade é, com correta sabedoria, da seguinte forma: ‘Isto surgiu?’”—“Sim, venerável senhor.”—“Bhikkhus, a dúvida é abandonada naquele que vê, como na verdade é, com correta sabedoria, da seguinte forma: ‘A sua origem ocorre tendo aquilo como alimento?’”—“Sim, venerável senhor.”—“Bhikkhus, a dúvida é abandonada naquele que vê, como na verdade é, com correta sabedoria, da seguinte forma: ‘Com a cessação daquele alimento, aquilo que surgiu está sujeito a cessar?’”—“Sim, venerável senhor.”

“Bhikkhus, vocês estão isentos de dúvidas com relação a isto: ‘Isto surgiu?’”—“Sim, venerável senhor.”—“Bhikkhus, vocês estão isentos de dúvidas com relação a isto: ‘A sua origem ocorre tendo aquilo como alimento?’”—“Sim, venerável senhor.”—“Bhikkhus, vocês estão isentos de dúvidas com relação a isto: ‘Com a cessação daquele alimento, aquilo que surgiu está sujeito a cessar?’”—“Sim, venerável senhor.”

“Bhikkhus, vocês viram bem, como na verdade é, com correta sabedoria, da seguinte forma: ‘Isto surgiu?’”—“Sim, venerável senhor.”—“Bhikkhus, vocês viram bem, como na verdade é, com correta sabedoria, da seguinte forma: ‘A sua origem ocorre tendo aquilo como alimento?’”—“Sim, venerável senhor.”—“Bhikkhus, vocês viram bem, como na verdade é, com correta sabedoria, da seguinte forma: ‘Com a cessação daquele alimento, aquilo que surgiu está sujeito a cessar?’”—“Sim, venerável senhor.”

“Bhikkhus, esse entendimento purificado e luminoso, se vocês aderirem a ele, amando-o e entesourando-o, e se o tratarem como se fosse uma posse, vocês então compreenderão o Dhamma que foi ensinado como semelhante a uma balsa, para ser utilizado para cruzar (a torrente) e não com o propósito de agarrar-se a ele?”—“Não, venerável senhor.”—“Bhikkhus, esse entendimento purificado e luminoso, se vocês não aderirem a ele, não o amarem, não o entesourarem, e não o tratarem como se fosse uma posse, vocês então compreenderão o Dhamma que foi ensinado como semelhante a uma balsa, para ser utilizado para cruzar (a torrente), não com o propósito de agarrar-se a ele?”—“Sim, venerável senhor.”

Alimento e Origem Dependente

“Bhikkhus, existem esses quatro tipos de alimentos para a manutenção dos seres que já nasceram e para o sustento daqueles que estão em busca de um nascimento. Quais quatro? Eles são: o alimento comida, grosseira ou sutil, o contato como o segundo, a volição mental como o terceiro e a consciência como o quarto.

“Agora, bhikkhus, o que esses quatro tipos de alimento possuem como origem, qual é o seu princípio, de que eles nascem e são produzidos? Esses quatro tipos de alimento possuem o desejo como origem, desejo como o seu princípio; eles nascem e são produzidos pelo desejo. E esse desejo o que possui como origem …? O desejo possui a sensação como origem … E essa sensação o que possui como origem …? A sensação possui o contato como origem … E esse contato o que possui como origem …? O contato possui as seis bases como origem … E essas seis bases o que possuem como origem? As seis bases possuem a mentalidade-materialidade (nome e forma) como origem … E essa mentalidade-materialidade (nome e forma) o que possui como origem …? A mentalidade-materialidade (nome e forma) possui a consciência como origem … E essa consciência o que possui como origem …? A consciência possui as formações volitivas como origem … E essas formações volitivas o que possuem como origem, qual é o seu princípio, de que elas nascem e são produzidas? As formações volitivas possuem a ignorância como sua origem, ignorância como o seu princípio; elas nascem e são produzidas pela ignorância.

Explicação do Surgimento para Adiante

“Portanto, bhikkhus, com a ignorância como condição, as formações volitivas (surgem); com as formações volitivas como condição, a consciência; com a consciência como condição, a mentalidade-materialidade (nome e forma); com a mentalidade-materialidade (nome e forma) como condição, as seis bases; com as seis bases como condição, o contato; com o contato como condição, a sensação; com a sensação como condição, o desejo; com o desejo como condição, o apego; com o apego como condição, o ser/existir; com o ser/existir como condição, o nascimento; com o nascimento como condição, envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero surgem. Essa é a origem de toda essa massa de sofrimento.

Questionário sobre o Surgimento em Ordem Reversa

“‘Com o nascimento como condição, envelhecimento e morte’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, o envelhecimento e morte possuem, ou não, o nascimento como condição, vocês aceitam isso?”

“Envelhecimento e morte possuem o nascimento como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com o nascimento como condição, envelhecimento e morte.’”

“‘Com o ser/existir como condição, nascimento’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, o nascimento possui, ou não, o ser/existir como condição, vocês aceitam isso?”

“O nascimento possui o ser/existir como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com o ser/existir como condição, nascimento.’”

“‘Com o apego como condição, ser/existir’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, o ser/existir possui, ou não, o apego como condição, vocês aceitam isso?”

“O ser/existir possui o apego como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com o apego como condição, ser/existir.’”

“‘Com o desejo como condição, apego’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, o apego possui, ou não, o desejo como condição, vocês aceitam isso?”

“O apego possui o desejo como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com o desejo como condição, apego.’”

“‘Com a sensação como condição, desejo’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, o desejo possui, ou não, a sensação como condição, vocês aceitam isso?”

“O desejo possui a sensação como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com a sensação como condição, desejo.’”

“‘Com o contato como condição, sensação’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, a sensação possui, ou não, o contato como condição, vocês aceitam isso?”

“A sensação possui o contato como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com o contato como condição, sensação.’”

“‘Com as seis bases como condição, contato’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, o contato possui, ou não, as seis bases como condição, vocês aceitam isso?”

“O contato possui as seis bases como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com as seis bases como condição, contato.’”

“‘Com a mentalidade-materialidade (nome e forma) como condição, as seis bases’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, as seis bases possuem, ou não, a mentalidade-materialidade (nome e forma) como condição, vocês aceitam isso?”

“As seis bases possuem a mentalidade-materialidade (nome e forma) como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com a mentalidade-materialidade (nome e forma) como condição, as seis bases.’”

“‘Com a consciência como condição, mentalidade-materialidade (nome e forma)’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, a mentalidade-materialidade (nome e forma) possui, ou não, a consciência como condição, vocês aceitam isso?”

“A mentalidade-materialidade (nome e forma) possui a consciência como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com a consciência como condição, mentalidade-materialidade (nome e forma).’”

“‘Com as formações volitivas como condição, consciência’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, a consciência possui, ou não, as formações volitivas como condição, vocês aceitam isso?”

“A consciência possui as formações volitivas como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com as formações volitivas como condição, consciência.’”

“‘Com a ignorância como condição, formações volitivas’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, as formações volitivas possuem, ou não, a ignorância como condição, vocês aceitam isso?”

“As formações volitivas possuem a ignorância como condição, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com a ignorância como condição, formações volitivas.’”

Recapitulação do Surgimento

“Muito bem, bhikkhus. Assim vocês o dizem e eu também assim o digo: ‘Quando existe isso, aquilo existe; Com o surgimento disso, aquilo surge.’ Isto é, com a ignorância como condição, formações volitivas (surgem); com as formações volitivas como condição, consciência; com a consciência como condição, mentalidade-materialidade (nome e forma); com a mentalidade-materialidade (nome e forma) como condição, as seis bases; com as seis bases como condição, contato; com o contato como condição, sensação; com a sensação como condição, desejo; com o desejo como condição, apego; com o apego como condição, ser/existir; como o ser/existir como condição, nascimento; com o nascimento como condição, envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero surgem. Essa é a origem de toda essa massa de sofrimento.

Explicação da Cessação para Adiante

“Mas com o completo desaparecimento sem deixar vestígios e cessação da ignorância ocorre a cessação das formações volitivas; com a cessação das formações volitivas, cessa a consciência; com a cessação da consciência, cessa a mentalidade-materialidade (nome e forma); com a cessação da mentalidade-materialidade (nome e forma), cessam as seis bases; com a cessação das seis bases, cessa o contato; com a cessação do contato, cessa a sensação; com a cessação da sensação, cessa o desejo; com a cessação do desejo, cessa o apego; com a cessação do apego, cessa o ser/existir; com a cessação do ser/existir, cessa o nascimento; com a cessação do nascimento, envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero cessam. Essa é a cessação de toda essa massa de sofrimento.

Questionário sobre a Cessação em Ordem Reversa

“‘Com a cessação do nascimento, cessam o envelhecimento e morte’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, o envelhecimento e morte cessam, ou não, com a cessação do nascimento, vocês aceitam isso?”

“Envelhecimento e morte cessam com a cessação do nascimento, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com a cessação do nascimento, cessam o envelhecimento e morte.’”

“‘Com a cessação do ser/existir, cessa o nascimento’ … ‘Com a cessação do apego, cessa o ser/existir’ … ‘Com a cessação do desejo, cessa o apego’ … ‘Com a cessação da sensação, cessa o desejo’ … ‘Com a cessação do contato, cessa a sensação’ … ‘Com a cessação das seis bases, cessa a sensação’ … ‘Com a cessação da mentalidade-materialidade (nome e forma), cessam as seis bases’ … ‘Com a cessação da consciência, cessa a mentalidade-materialidade (nome e forma)’ … ‘Com a cessação das formações volitivas, cessa a consciência’ … ‘Com a cessação da ignorância, cessam as formações volitivas’: assim foi dito. Agora, bhikkhus, as formações volitivas cessam, ou não, com a cessação da ignorância, vocês aceitam isso?”

“As formações volitivas cessam com a cessação da ignorância, venerável senhor. Isso nós aceitamos: ‘Com a cessação da ignorância, cessam as formações volitivas.’”

Recapitulação da Cessação

“Muito bem, bhikkhus. Assim vocês o dizem e eu também assim o digo: ‘Quando não existe isso, aquilo também não existe; Com a cessação disto, aquilo cessa.’ Isto é, com a cessação da ignorância, cessam as formações volitivas; com a cessação das formações volitivas, cessa a consciência; com a cessação da consciência, cessa a mentalidade-materialidade (nome e forma); com a cessação da mentalidade-materialidade (nome e forma), cessam as seis bases; com a cessação das seis bases, cessa o contato; com a cessação do contato, cessa a sensação; com a cessação da sensação, cessa o desejo; com a cessação do desejo, cessa o apego; com a cessação do apego, cessa o ser/existir; com a cessação do ser/existir, cessa o nascimento; com a cessação do nascimento, envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero cessam. Assim é a cessação de toda essa massa de sofrimento.

Conhecimento Pessoal

“Bhikkhus, sabendo e vendo dessa forma, vocês voltariam ao passado assim: ‘Existimos no passado? Não existimos no passado? O que fomos no passado? Como éramos no passado? Tendo sido que, no que nos tornamos no passado?’”—“Não, venerável senhor.”—“Sabendo e vendo dessa forma, vocês se dirigiriam ao futuro assim: ‘Existiremos no futuro? Não existiremos no futuro? O que seremos no futuro? Como seremos no futuro? Tendo sido que, no que nos tornaremos no futuro?’”—“Não, venerável senhor.”—“Sabendo e vendo dessa forma, vocês estariam no seu íntimo perplexos sobre o presente assim: ‘Nós somos? Nós não somos? O que somos? Como somos? De onde veio este ser? Para onde iremos?’”—“Não, venerável senhor.”

“Bhikkhus, sabendo e vendo dessa forma, vocês falariam assim: ‘Nós respeitamos o Mestre. Falamos desta forma por respeito ao Mestre?’”—“Não, venerável senhor.”—“Sabendo e vendo dessa forma, vocês falariam assim: ‘O Contemplativo diz isso e assim também outros contemplativos, mas nós não falamos dessa forma?’”—“Não, venerável senhor.”—“Sabendo e vendo dessa forma, vocês reconheceriam um outro mestre?”—“Não, venerável senhor.”—“Sabendo e vendo dessa forma, vocês retomariam as observâncias, debates tumultuados e sinais auspiciosos dos brâmanes e contemplativos comuns, tomando-os como sendo o núcleo (da vida santa)?”—“Não, venerável senhor.”—“Vocês falam apenas sobre aquilo que vocês conheceram, viram e compreenderam por si mesmos?”—“Sim, venerável senhor.”

“Muito bem, bhikkhus. Portanto, vocês foram guiados por mim com este Dhamma, que é visível aqui e agora, com efeito imediato, que convida ao exame, que conduz para adiante, para ser experimentado pelos sábios, por eles mesmos. Pois foi com referência a isso que foi dito: ‘Bhikkhus, este Dhamma, é visível aqui e agora, com efeito imediato, convida ao exame, conduz para adiante, para ser experimentado pelos sábios, por eles mesmos.’

O Ciclo de Existência: da Concepção até a Maturidade

“Bhikkhus, a concepção de um embrião num ventre ocorre através da união de três coisas. Aqui, existe a união da mãe e do pai, mas não é o período fértil da mãe e o ser que irá renascer não se encontra presente—neste caso não existe a concepção de um embrião no ventre. Aqui, existe a união da mãe e do pai e é o período fértil da mãe, mas o ser que irá renascer não se encontra presente—neste caso também não existe a concepção de um embrião no ventre. Mas quando existe a união da mãe e do pai e é o período fértil da mãe e o ser que irá renascer se encontra presente, através da união dessas três coisas ocorre a concepção de um embrião no ventre.

“A mãe então carrega o feto no seu ventre por nove ou dez meses com muita ansiedade, como um pesado fardo. Então, ao final de nove ou dez meses, a mãe dá à luz com muita ansiedade, como um pesado fardo. Então, quando o bebê nasce, ela o alimenta com o seu próprio sangue; pois na Disciplina dos Nobres o leite materno é chamado de sangue.

“Ao crescer e com o amadurecimento das faculdades, a criança brinca com arados de brinquedo, moinhos de vento de brinquedo, carros de brinquedo, arco e flecha de brinquedo, dá cambalhotas.

“Ao crescer e com (ainda mais) o amadurecimento das faculdades, o jovem goza, provido e dotado com os cinco faculdades dos prazeres sensuais, as formas percebidas pelo olho … sons percebidos pelo ouvido … aromas percebidos pelo nariz … sabores percebidos pela língua … tangíveis percebidos pelo corpo que são desejáveis, agradáveis e fáceis de serem gostados, conectados com o desejo sensual e que provocam a cobiça.

A Continuidade do Ciclo

“Ao ver uma forma com o olho, ele deseja a forma prazerosa e repele a forma des-prazerosa. Ele permanece sem estabelecer a atenção plena no corpo, com a mente limitada e ele não compreende, como na verdade é, a libertação da mente e a libertação através da sabedoria por meio da qual os estados ruins e prejudiciais cessam sem deixar vestígio. Engajado, como está, em desejar e repelir todas as sensações que sente—quer sejam prazerosas, dolorosas ou nem prazerosas, nem dolorosas—ele se delicia com aquelas sensações, ele as recebe com prazer e permanece apegado a elas. Agindo assim, o deleite surge nele. Agora, o deleite com as sensações é apego. Com esse seu apego como condição, ser/existir (surge); com o ser/existir como condição, nascimento; com o nascimento como condição, envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero surgem. Essa é a origem de toda essa massa de sofrimento.

“Ao ouvir um som com o ouvido … Ao cheirar um aroma com o nariz … Ao saborear um sabor com a língua … Ao tocar um tangível com o corpo … Ao conscientizar um objeto mental com a mente, ele deseja o objeto mental prazeroso e repele o objeto mental des-prazeroso … Agora, o deleite com as sensações é apego. Com esse seu apego como condição, ser/existir (surge); com o ser/existir como condição, nascimento; com o nascimento como condição, envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero surgem. Essa é a origem de toda essa massa de sofrimento.

O Fim do Ciclo: o Treinamento Gradual

“Aqui, bhikkhus, um Tathāgata surge no mundo, um arahant, perfeitamente iluminado … (como no MN 27, versos 11–18) … ele purifica a mente da dúvida.

“Tendo assim abandonado esses cinco obstáculos, imperfeições da mente que enfraquecem a sabedoria, afastado dos prazeres sensuais, afastado de estados prejudiciais, ele entra e permanece no primeiro jhāna … Abandonando o pensamento aplicado e sustentado, ele entra e permanece no segundo jhāna … Abandonando o êxtase … ele entra e permanece no terceiro jhāna … Com o completo desaparecimento da felicidade … ele entra e permanece no quarto jhāna … que possui nem felicidade nem sofrimento, com a atenção plena e a equanimidade purificadas.

O Fim do Ciclo: Completa Cessação

“Ao ver uma forma com o olho, ele não deseja a forma prazerosa e não repele a forma des-prazerosa. Ele permanece com a atenção plena estabelecida no corpo, com a mente ilimitada e ele compreende, como na verdade é, a libertação da mente e a libertação através da sabedoria por meio da qual esses estados ruins e prejudiciais cessam sem deixar vestígio. Tendo dessa forma abandonado o desejar e o repelir, todas as sensações que sente—quer sejam prazerosas, dolorosas ou nem prazerosas, nem dolorosas—ele não se delicia com aquela sensação, não a recebe com prazer e não permanece apegado a ela. Agindo assim, o deleite com as sensações cessa nele. Com a cessação desse deleite ocorre a cessação do apego; com a cessação do apego, cessa o ser/existir; com a cessação do ser/existir, cessa o nascimento; com a cessação do nascimento, envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero cessam. Assim é a cessação de toda essa massa de sofrimento.

“Ao ouvir um som com o ouvido … Ao cheirar um aroma com o nariz … Ao saborear um sabor com a língua … Ao tocar um tangível com o corpo … Ao conscientizar um objeto mental com a mente, ele não deseja o objeto mental prazeroso e não repele o objeto mental des-prazeroso … Com a cessação desse deleite ocorre a cessação do apego; com a cessação do apego, cessa o ser/existir; com a cessação do ser/existir, cessa o nascimento; com a cessação do nascimento, envelhecimento e morte, tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero cessam. Assim é a cessação de toda essa massa de sofrimento.

Conclusão

“Bhikkhus, lembrem-se desta libertação através da destruição do desejo da forma resumida como ensinei. Porém, o bhikkhu Sati, filho de um pescador, está preso numa vasta rede de desejo, está atado pelo desejo.”

Isso foi o que disse o Abençoado. Os bhikkhus ficaram satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado.