Majjhima Nikāya 82

Raṭṭhapāla Sutta

Raṭṭhapāla

Assim ouvi. Em certa ocasião, o Abençoado estava perambulando pela região dos Kurus com uma grande Saṅgha de bhikkhus e por fim ele chegou a uma cidade denominada Thulla­koṭṭhita.

Os brâmanes chefes de família de Thulla­koṭṭhita ouviram: “Gotama o contemplativo, o filho dos Sakyas, que adotou a vida santa deixando o clã dos Sakyas, que andava perambulando em Kuru com um grande número de bhikkhus chegou em Thulla­koṭṭhita. E acerca desse mestre Gotama existe essa boa reputação: ‘Esse Abençoado é um arahant, perfeitamente iluminado, consumado no verdadeiro conhecimento e conduta, bem-aventurado, conhecedor dos mundos, um líder insuperável de pessoas preparadas para serem treinadas, mestre de devas e humanos, desperto, sublime. Ele declara—tendo realizado por si próprio com o conhecimento direto—este mundo com os seus devas, maras e brahmas, esta população com seus contemplativos e brâmanes, seus príncipes e povo. Ele ensina o Dhamma com o significado e fraseado corretos, que é admirável no início, admirável no meio, admirável no final; e ele revela uma vida santa que é completamente perfeita e imaculada.’ É bom poder encontrar alguém tão nobre.”

Então, os brâmanes chefes de família de Thulla­koṭṭhita se dirigiram ao Abençoado. Alguns homenagearam o Abençoado e sentaram a um lado; alguns trocaram saudações corteses com ele e após a troca de saudações sentaram a um lado; alguns ajuntaram as mãos em respeitosa saudação e sentaram a um lado; alguns anunciaram o seu nome e clã e sentaram a um lado. Alguns permaneceram em silêncio e sentaram a um lado. Então, o Abençoado os instruiu, estimulou, motivou e encorajou com um discurso do Dhamma.

Agora, naquela ocasião Raṭṭhapāla, o filho de um dos principais clãs naquela mesma Thulla­koṭṭhita, estava sentado na assembléia. Então, ocorreu-lhe que: “Como eu entendo o Dhamma ensinado pelo Abençoado, não é fácil viver em família e praticar a vida santa completamente perfeita, totalmente pura, como uma concha polida. E se eu raspasse o meu cabelo e barba, vestisse os mantos de cor ocre e seguisse a vida santa.”

Então, os brâmanes chefes de família de Thulla­koṭṭhita, despois de instruídos, estimulados, motivados e encorajados por um discurso do Dhamma do Abençoado, ficaram satisfeitos e contentes com as palavras do Abençoado. Então, eles se levantaram dos seus assentos e depois de homenageá-lo, mantendo-o à sua direita, partiram.

Pouco depois deles terem partido, Raṭṭhapāla foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo, ele sentou a um lado e disse para o Abençoado: “Venerável senhor, tal como eu entendo o Dhamma ensinado pelo Abençoado, não é fácil viver em família e praticar a vida santa completamente perfeita, totalmente pura, como uma concha polida. Venerável senhor, eu desejo raspar o meu cabelo e barba, vestir os mantos de cor ocre e seguir a vida santa. Eu receberia a admissão na vida santa sob o Abençoado e a admissão completa.”

“Você foi autorizado pelos seus pais, Raṭṭhapāla, para deixar a vida em família e seguir a vida santa?”

“Não, venerável senhor, eu não tenho a autorização dos meus pais.”

“Raṭṭhapāla, os Tathāgatas não admitem na vida santa ninguém que não tenha a permissão dos seus pais.”

“Venerável senhor, eu farei com que meus pais me dêem a autorização para deixar a vida em família e seguir a vida santa.”

Então, Raṭṭhapāla levantou do seu assento e depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiu. Ele foi até os seus pais e lhes disse: “Mãe e pai, tal como eu entendo o Dhamma ensinado pelo Abençoado, não é fácil viver em família e praticar a vida santa completamente perfeita, totalmente pura, como uma concha polida. Eu desejo raspar o meu cabelo e barba, vestir os mantos de cor ocre e seguir a vida santa. Dêem-me a sua permissão para que eu deixe a vida em família e siga a vida santa.”

Quando ele disse isso, os pais dele responderam: “Querido Raṭṭhapāla, você é o nosso único filho, amado e querido. Você foi educado com conforto, cresceu com conforto; você nada conhece do sofrimento, querido Raṭṭhapāla. Mesmo se você morresse nós o deixaríamos ir contra nossa vontade, então como poderíamos dar a nossa permissão para que você deixe a vida em família e siga a vida santa enquanto você ainda está vivo?”

Uma segunda vez … Uma terceira vez Raṭṭhapāla disse para os seus pais: “Mãe e pai … Dêem-me a sua permissão para que eu deixe a vida em família e siga a vida santa.”

Pela terceira vez os seus pais responderam: “Querido Raṭṭhapāla … como poderíamos dar a nossa permissão para que você deixe a vida em família e siga a vida santa enquanto você ainda está vivo?”

Então, por não ter recebido a permissão dos pais para seguir a vida santa, Raṭṭhapāla se deitou no chão e disse: “Exatamente aqui morrerei ou receberei a admissão na vida santa.”

Então os pais de Raṭṭhapāla disseram: “Querido Raṭṭhapāla, você é o nosso único filho, amado e querido. Você foi educado com conforto, cresceu com conforto; você nada conhece do sofrimento, querido Raṭṭhapāla. Levante-se, querido Raṭṭhapāla, coma, beba e divirta-se. Ao comer, beber e se divertir, você poderá ser feliz desfrutando dos prazeres sensuais e realizar méritos. Nós não permitiremos que você deixe a vida em família e siga a vida santa. Mesmo se você morresse nós o deixaríamos ir contra nossa vontade, então como poderíamos dar a nossa permissão para que você deixe a vida em família e siga a vida santa enquanto você ainda está vivo?” Quando isso foi dito, Raṭṭhapāla permaneceu em silêncio.

Uma segunda vez … Uma terceira vez os pais de Raṭṭhapāla disseram: “Querido Raṭṭhapāla … como poderíamos dar a nossa permissão para que você deixe a vida em família e siga a vida santa enquanto você ainda está vivo?” Pela terceira vez Raṭṭhapāla permaneceu em silêncio.

Então os pais de Raṭṭhapāla foram até os amigos dele e disseram: “Estimados amigos, Raṭṭhapāla está deitado no chão, depois de dizer: ‘Exatamente aqui morrerei ou receberei a admissão na vida santa.’ Venham, estimados amigos, vão até Raṭṭhapāla e digam: ‘Amigo Raṭṭhapāla, você é o único filho … Levante-se, amigo Raṭṭhapāla, coma, beba e divirta-se … como seus pais poderiam dar-lhe a permissão deles para que você deixe a vida em família e siga a vida santa enquanto você ainda está vivo?’”

Então, os amigos de Raṭṭhapāla foram até ele e disseram: “Amigo Raṭṭhapāla, você é o único filho, amado e querido. Você foi educado com conforto, cresceu com conforto; você nada conhece do sofrimento, amigo Raṭṭhapāla. Levante-se, amigo Raṭṭhapāla, coma, beba e divirta-se. Ao comer, beber e se divertir, você poderá ser feliz desfrutando dos prazeres sensuais e realizar méritos. Os seus pais não permitirão que você deixe a vida em família e siga a vida santa. Mesmo se você morresse eles o deixariam ir contra a vontade, então como poderiam eles dar permissão para que você deixe a vida em família e siga a vida santa enquanto você ainda está vivo?” Quando isso foi dito, Raṭṭhapāla permaneceu em silêncio.

Uma segunda vez … Uma terceira vez os amigos de Raṭṭhapāla lhe disseram: “Amigo Raṭṭhapāla … como poderiam eles dar permissão para que você deixe a vida em família e siga a vida santa enquanto você ainda está vivo?” Pela terceira vez Raṭṭhapāla permaneceu em silêncio.

Então os amigos de Raṭṭhapāla foram até os pais dele e disseram: “Mãe e pai, Raṭṭhapāla está deitado no chão, depois de dizer: ‘Exatamente aqui morrerei ou receberei a admissão na vida santa.’ Agora, se vocês não derem a permissão para que ele deixe a vida em família e siga a vida santa, ele irá morrer ali. Mas se vocês derem a permissão, vocês irão vê-lo depois quando ele estiver seguindo a vida santa. E se ele não apreciar a vida santa, o que mais poderá ele fazer além de voltar para cá? Portanto, dêem a ele permissão para que deixe a vida em família e siga a vida santa.”

“Então, estimados amigos, nós damos a nossa permissão para que Raṭṭhapāla deixe a vida em família e siga a vida santa. Mas, seguindo a vida santa, ele terá de nos visitar.”

Então os amigos de Raṭṭhapāla foram até ele e disseram: “Levante-se, amigo Raṭṭhapāla. Os seus pais deram a permissão para que você deixe a vida em família e siga a vida santa. Mas, seguindo a vida santa, você terá de visitá-los.”

Raṭṭhapāla então se levantou e depois de haver recuperado as forças, ele foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo sentou a um lado e disse: “Venerável senhor, eu tenho a permissão dos meus pais para deixar a vida em família e seguir a vida santa. Que o Abençoado me conceda a admissão na vida santa.” Então, Raṭṭhapāla recebeu a admissão na vida santa sob o Abençoado e a admissão completa.

Então, não muito tempo depois que o venerável Raṭṭhapāla havia recebido a admissão completa, uma quinzena depois dele ter recebido a admissão completa, o Abençoado, depois de permanecer em Thulla­koṭṭhita todo o tempo que ele quis, saiu perambulando em direção a Sāvatthī. Caminhando em etapas, ele por fim chegou em Sāvatthī e lá ele se instalou no Bosque de Jeta, no Parque de Anātha­piṇḍika.

Permanecendo só, isolado, diligente, ardente e decidido, em pouco tempo, o venerável Raṭṭhapāla, alcançou e permaneceu no objetivo supremo da vida santa pelo qual membros de um clã deixam a vida em família pela vida santa, tendo conhecido e realizado por si mesmo no aqui e agora. Ele soube: “O nascimento foi destruído, a vida santa foi vivida, o que deveria ser feito foi feito, não há mais vir a ser a nenhum estado.”

Então, o venerável Raṭṭhapāla foi até o Abençoado e depois de cumprimentá-lo, ele sentou a um lado e disse: “Venerável senhor, desejo visitar os meus pais, se o Abençoado assim o permitir.”

Então, o Abençoado penetrou com a sua mente os pensamentos na mente do venerável Raṭṭhapāla. Ao saber que Raṭṭhapāla seria incapaz de abandonar o treinamento e retornar para a vida inferior, ele disse: “Agora é o momento, Raṭṭhapāla, faça como julgar adequado.”

Então, o venerável Raṭṭhapāla se levantou do seu assento e, depois de homenagear o Abençoado, mantendo-o à sua direita, partiu. Ele então arrumou o seu lugar de descanso e tomando a tigela e o manto externo, saiu perambulando em direção a Thulla­koṭṭhita. Caminhando em etapas, ele por fim chegou em Thulla­koṭṭhita e lá ele se instalou no Parque Migacīra do Rei Koravya. Então, ao amanhecer, ele se vestiu e tomando a tigela e o manto externo foi para Thulla­koṭṭhita esmolar alimentos. Enquanto esmolava alimentos de casa em casa em Thulla­koṭṭhita, ele acabou chegando na casa do seu pai.

Agora, naquela ocasião o pai do venerável Raṭṭhapāla estava sentado na sala principal penteando o cabelo. Ao ver o venerável Raṭṭhapāla vindo à distância, ele disse: “Nosso único filho, amado e querido, foi convencido a seguir a vida santa por esses contemplativos carecas.” Então, na casa do seu próprio pai o venerável Raṭṭhapāla nem recebeu comida esmolada e tampouco uma recusa cortês; ao invés disso, ele apenas recebeu abusos.

Foi quando uma escrava que pertencia aos pais de Raṭṭhapāla estava a ponto de jogar fora um mingau velho. Vendo aquilo, o venerável Raṭṭhapāla disse: “Irmã, se isso é para ser jogado fora, então despeje aqui na minha tigela.” Enquanto assim o fazia, ela reconheceu os traços característicos das suas mãos, dos seus pés e da sua voz. Então ela foi até a mãe dele e disse: “Minha senhora, saiba que o filho do meu amo, Raṭṭhapāla, voltou.”

“Que bênção! Se aquilo que você diz for verdade, você não mais será uma escrava!”

“Então, a mãe do venerável Raṭṭhapāla foi até o pai dele e disse: ‘Chefe de família, disseram que Raṭṭhapāla voltou.’”

Justamente naquele momento o venerável Raṭṭhapāla estava comendo o mingau velho junto à parede de um certo abrigo. O pai dele foi até ele e disse: “Raṭṭhapāla, meu querido, com certeza nós … e você está comendo mingau velho! Você não tem a sua própria casa para onde possa ir?”

“Como poderíamos ter uma casa, chefe de família, quando deixamos a vida em família e seguimos a vida santa? Nós não temos casa, chefe de família. Nós fomos até a sua casa, mas lá não recebemos nem comida esmolada e tampouco uma recusa cortês; ao invés disso apenas recebemos abusos.”

“Venha querido Raṭṭhapāla, vamos para casa.”

“Já basta, chefe de família, hoje minha refeição está terminada.”

“Então, querido Raṭṭhapāla, concorde em aceitar a refeição de amanhã.” O venerável Raṭṭhapāla concordou em silêncio.

Então, sabendo que o venerável Raṭṭhapāla havia concordado, o pai dele foi para casa e fez com que se ajuntasse numa grande pilha, moedas e barras de ouro cobrindo-as com tapetes. Então, ele disse para as antigas esposas do venerável Raṭṭhapāla: “Venham, noras, enfeitem-se com os ornamentos do jeito que Raṭṭhapāla gostava e achava vocês mais atraentes e desejáveis.”

Quando a noite havia terminado, o pai do venerável Raṭṭhapāla fez com que se preparassem na sua casa vários tipos de boa comida e fez com que se anunciasse a hora para o venerável Raṭṭhapāla: “É hora, querido Raṭṭhapāla, a refeição está pronta.”

Então, depois do amanhecer, o venerável Raṭṭhapāla se vestiu e tomando a tigela e o manto externo foi para a casa do seu pai e sentou num assento que havia sido preparado. Então, o seu pai fez com que se descobrisse a pilha de moedas e barras de ouro e disse: “Querido Raṭṭhapāla, essa é a sua fortuna maternal; a sua fortuna paternal é outra e a sua fortuna ancestral é ainda outra. Querido Raṭṭhapāla, você poderá desfrutar da riqueza e realizar méritos. Venha então, querido, abandone o treinamento e regresse para a vida inferior, desfrute da riqueza e realize méritos.”

“Chefe de família, se você quiser seguir o meu conselho, então faça com que esta pilha de moedas e barras de ouro seja carregada em carretas para ser despejada no meio da correnteza do rio Gânges. Por que isso? Porque, chefe de família, por conta desse ouro irá surgir em você muita tristeza, lamentação, dor, angústia e desespero.”

Então, as antigas esposas do venerável Raṭṭhapāla abraçaram os seus pés e disseram: “Como são, filho do meu amo, as ninfas pelas quais você vive a vida santa?”

“Nós não vivemos a vida santa devido a ninfas, irmãs.”

“Raṭṭhapāla, o filho do nosso amo, nos chama de ‘irmãs,’” elas exclamaram e ali mesmo desmaiaram.

Então o venerável Raṭṭhapāla disse para o seu pai: “Chefe de família, se há uma refeição para ser dada, então dê. Não nos assedie.”

“Coma então, querido Raṭṭhapāla, a refeição está pronta.”

Então, com as próprias mãos, o pai do venerável Raṭṭhapāla o serviu e satisfez com vários tipos de boa comida. Em seguida, quando o venerável Raṭṭhapāla havia terminado de comer e retirado a mão da tigela, ele se levantou e disse estes versos:

“Vejam aqui uma boneca enfeitada,
sujeito a enfermidades, um objeto de preocupações,
no qual não há estabilidade.
Vejam aqui uma figura enfeitada
com jóias e brincos também,
um esqueleto embrulhado pela pele,
feito atrativo através das roupas.
Os pés decorados com tintura de hena
e pó cobrindo a cara:
isso pode enganar um tolo, mas não
aquele que busca a outra margem.
O cabelo penteado em oito tranças
e ungüento ao redor dos olhos:
isso pode enganar um tolo, mas não
Aquele que busca a outra margem.
Um corpo imundo bem enfeitado
tal como um pote de ungüento recém pintado:
isso pode enganar um tolo, mas não
Aquele que busca a outra margem.
O caçador de gamos colocou o laço
mas o gamo não caiu na armadilha;
nós comemos o engodo e agora partimos
deixando o caçador a se lamentar.”

Depois que o venerável Raṭṭhapāla levantou e disse esses versos, ele foi para o Parque Migacīra do Rei Koravya e sentou à sombra de uma árvore para passar o resto do dia.

Então, o Rei Koravya se dirigiu ao guarda-florestal da seguinte forma: “Estimado guarda-florestal, arrume o Parque Migacīra para que possamos ir até o jardim das delícias encontrar um canto agradável.”—“Sim, senhor,” ele respondeu. Agora, enquanto ele arrumava o Parque Migacīra, o guarda-florestal viu o venerável Raṭṭhapāla sentado à sombra de uma árvore. Ao vê-lo, ele foi até o Rei Koravya e disse: “Senhor, o Parque Migacīra está arrumado. Raṭṭhapāla está lá, o filho do clã principal nesta mesma Thulla­koṭṭhita, ao qual você sempre se referiu de forma elogiosa; ele está sentado à sombra de uma árvore.”

“Então, estimado Migava, já basta do jardim das delícias por hoje. Agora vamos demonstrar nossa estima pelo Mestre Raṭṭhapāla.”

Então, dizendo: “Dê toda a comida que ali foi preparada,” o Rei Koravya fez com que fossem preparadas um grande número de carruagens reais, e montando numa delas, acompanhado pelas demais carruagens, ele saiu de Thulla­koṭṭhita com toda a pompa da realeza para ir ver o venerável Raṭṭhapāla. Ele foi até onde o caminho permitia e depois desmontou da sua carruagem e seguiu a pé, com um séquito das mais eminentes autoridades, até onde se encontrava o venerável Raṭṭhapāla. Ambos se cumprimentaram e quando a conversa amigável e cortês havia terminado, ele ficou em pé a um lado e disse: “Aqui está o tapete de um elefante. Que o Mestre Raṭṭhapāla sente nele.”

“Não é necessário, grande rei. Sente-se. Eu estou sentado no meu próprio pano.”

O Rei Koravya sentou num assento que havia sido preparado e disse:

“Mestre Raṭṭhapāla, existem quatro tipos de perda. Porque aqui algumas pessoas sofreram esses quatro tipos de perda, elas raspam o cabelo e a barba, vestem o manto de cor ocre e deixam a vida em família e seguem a vida santa. Quais quatro? Estas são a perda devido ao envelhecimento, a perda devido à enfermidade, a perda de riqueza e a perda de parentes.

“E o que é a perda devido ao envelhecimento? Aqui, Mestre Raṭṭhapāla, alguém é velho, envelhecido, com a idade avançada, pressionado pelos anos, avançado na vida, chegando ao último estágio. Ele considera o seguinte: ‘Eu sou velho, envelhecido, com a idade avançada, pressionado pelos anos, avançado na vida, chegando ao último estágio. Já não é fácil que eu obtenha a fortuna que ainda não foi obtida ou aumentar a riqueza que já foi obtida. E se eu raspasse o meu cabelo e barba, vestisse o manto de cor ocre e deixasse a vida em família e seguisse a vida santa.’ Porque ele sofreu a perda devido ao envelhecimento, ele raspa o cabelo e a barba, veste o manto de cor ocre e deixa a vida em família e segue a vida santa. A essa chamamos de perda devido ao envelhecimento. Mas o Mestre Raṭṭhapāla ainda é jovem, um homem com o cabelo negro dotado com as bênçãos da juventude, no auge da vida. O Mestre Raṭṭhapāla não sofreu nenhuma perda devido ao envelhecimento. O que o Mestre Raṭṭhapāla ouviu, ou viu, ou soube, para ter deixado a vida em família e ter seguido a vida santa?

“E o que é a perda devido à enfermidade? Aqui, Mestre Raṭṭhapāla, alguém está aflito, sofrendo e gravemente enfermo. Ele considera o seguinte: ‘Eu estou aflito, sofrendo e gravemente enfermo. Já não é fácil que eu obtenha a fortuna que ainda não foi obtida … seguisse a vida santa.’ Porque ele sofreu a perda devido à enfermidade … deixa a vida em família e segue a vida santa. A essa chamamos de perda devido à enfermidade. Mas o Mestre Raṭṭhapāla ainda é jovem, está livre de doenças e aflições, ele possui uma boa digestão que não é nem demasiado fria nem demasiado quente, mas média. Mestre Raṭṭhapāla não sofreu nenhuma perda devido à enfermidade. O que o Mestre Raṭṭhapāla ouviu, ou viu, ou soube, para ter deixado a vida em família e ter seguido a vida santa?

“E o que é a perda de riqueza? Aqui, Mestre Raṭṭhapāla, alguém é rico, com grande fortuna, com muitas posses. Aos poucos a sua fortuna desapareceu. Ele considera o seguinte: ‘Antes eu era rico, com grande fortuna, com muitas posses. Aos poucos a minha fortuna desapareceu. Já não é fácil que eu obtenha a fortuna que ainda não foi obtida … seguisse a vida santa.’ Porque ele sofreu a perda de riqueza … deixa a vida em família e segue a vida santa. A essa chamamos de perda de riqueza. Mas o Mestre Raṭṭhapāla é o filho do principal clã nesta mesma Thulla­koṭṭhita. O Mestre Raṭṭhapāla não sofreu nenhuma perda de riqueza. O que o Mestre Raṭṭhapāla ouviu, ou viu, ou soube, para ter deixado a vida em família e ter seguido a vida santa?

“E o que é a perda de parentes? Aqui, Mestre Raṭṭhapāla, alguém tem muitos amigos e companheiros, pares e parentes. Aos poucos essas pessoas desaparecem. Ele considera o seguinte: ‘Antes eu tinha muitos amigos e companheiros, pares e parentes. Aos poucos essas pessoas desapareceram. Já não é fácil que eu obtenha a fortuna que ainda não foi obtida … seguisse a vida santa.’ Porque ele sofreu a perda de parentes … deixa a vida em família e segue a vida santa. A essa chamamos de perda de parentes. Mas o Mestre Raṭṭhapāla tem muitos amigos e companheiros, pares e parentes, nesta mesma Thulla­koṭṭhita. O Mestre Raṭṭhapāla não sofreu a perda de parentes. O que o Mestre Raṭṭhapāla ouviu, ou viu, ou soube, para ter deixado a vida em família e ter seguido a vida santa?

“Mestre Raṭṭhapāla, esses são os quatro tipos de perda. Porque aqui algumas pessoas sofreram esses quatro tipos de perda, elas raspam o cabelo e a barba, vestem o manto de cor ocre e deixam a vida em família e seguem a vida santa. O Mestre Raṭṭhapāla não sofreu nenhuma dessas perdas. O que o Mestre Raṭṭhapāla ouviu, ou viu, ou soube, para ter deixado a vida em família e ter seguido a vida santa?”

“Grande rei, há quatro sumários do Dhamma que foram ensinados pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado. Tendo ouvido, visto e compreendido isso, eu deixei a vida em família e segui a vida santa. Quais são os quatro?

  • (1) “‘[A vida em] qualquer mundo é instável, é varrida’: esse é o primeiro sumário do Dhamma ensinado pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado. Tendo ouvido, visto e compreendido isso, eu deixei a vida em família e segui a vida santa.
  • (2) “‘[A vida em] qualquer mundo não tem refúgio nem protetor’: esse é o segundo sumário do Dhamma ensinado pelo Abençoado que sabe e vê …
  • (3) “‘[A vida em] qualquer mundo não tem nada que lhe pertença, todos deixam tudo e prosseguem’: esse é o terceiro sumário do Dhamma ensinado pelo Abençoado que sabe e vê …
  • (4) “‘[A vida em] qualquer mundo é incompleta, insatisfatória, é a escravidão do desejo’: esse é o quarto sumário do Dhamma ensinado pelo Abençoado que sabe e vê …

“Grande rei, esses são os quatro sumários do Dhamma que foram ensinados pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado. Tendo ouvido, visto e compreendido isso, eu deixei a vida em família e segui a vida santa.”

“O Mestre Raṭṭhapāla disse: ‘[A vida em] qualquer mundo é instável, é varrida’ Como deve ser compreendido o significado dessa afirmação?”

“O que você pensa, grande rei? Quando você tinha vinte ou vinte cinco anos de idade, você era um experto controlador de elefantes, um experto cavaleiro, um experto cocheiro, um experto arqueiro, um experto esgrimista, com as pernas e os braços fortes, vigorosos, capaz na batalha?”

“Quando eu tinha vinte ou vinte cinco anos de idade, Mestre Raṭṭhapāla, eu era um experto controlador de elefantes … com as pernas e os braços fortes, vigorosos, capaz na batalha. Algumas vezes me perguntava se naquele então eu tinha poderes supra-humanos. Eu não via ninguém que pudesse se igualar a mim em força.”

“O que você pensa, grande rei? Você agora tem a mesma força nos braços e pernas, o mesmo vigor e capacidade na batalha?”

“Não, Mestre Raṭṭhapāla. Agora estou velho, envelhecido, com a idade avançada, pressionado pelos anos, avançado na vida, chegando ao último estágio; tenho oitenta anos. Algumas vezes tenho a intenção de colocar o meu pé aqui e coloco meu pé em algum outro lugar.”

“Grande Rei, foi por conta disso que o Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado, disse: ‘[A vida em] qualquer mundo é instável, é varrida’; e quando eu ouvi, vi e compreendi isso, eu deixei a vida em família e segui a vida santa.”

“É maravilhoso, Mestre Raṭṭhapāla, é admirável quão bem isso foi expresso pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado: ‘[A vida em] qualquer mundo é instável, é varrida’ De fato é assim!

“Mestre Raṭṭhapāla, nesta corte há tropas com elefantes, cavalaria, carruagens e a infantaria, que servirão para subjugar qualquer ameaça que enfrentemos. Agora, o Mestre Raṭṭhapāla disse: ‘[A vida em] qualquer mundo não tem refúgio nem protetor.’ Como deve ser compreendido o significado dessa afirmação?”

“O que você pensa, grande rei? Você tem algum tipo de enfermidade crônica?”

“Eu tenho um problema crônico de ventos, Mestre Raṭṭhapāla. Algumas vezes meus amigos e companheiros, pares e parentes, ficam à minha volta, pensando: ‘Agora, o Rei Koravya está a ponto de morrer, agora o Rei Koravya está a ponto de morrer!’”

“O que você pensa, grande rei? Você pode ordenar aos seus amigos e companheiros, pares e parentes: ‘Venham, meus bons amigos e companheiros, pares e parentes. Todos vocês aqui presentes compartam dessa sensação dolorosa para que eu possa sentir menos dor?’ Ou você mesmo sozinho tem que sentir aquela dor?”

“Eu não posso ordenar que os meus amigos e companheiros, pares e parentes façam isso, Mestre Raṭṭhapāla. Eu sozinho tenho que sentir aquela dor.”

“Grande Rei, foi por conta disso que o Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado, disse: ‘[A vida em] qualquer mundo não tem refúgio nem protetor’; e quando eu ouvi, vi e compreendi isso, eu deixei a vida em família e segui a vida santa.”

“É maravilhoso, Mestre Raṭṭhapāla, é admirável quão bem isso foi expresso pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado: ‘[A vida em] qualquer mundo não tem refúgio nem protetor.’ De fato é assim!

“Mestre Raṭṭhapāla, nesta corte há em abundância moedas e barras de ouro armazenadas em caixas forte e depósitos. Agora, o Mestre Raṭṭhapāla disse: ‘[A vida em] qualquer mundo não tem não tem nada que lhe pertença, todos deixam tudo e prosseguem.’ Como deve ser compreendido o significado dessa afirmação?”

“O que você pensa, grande rei? Você agora desfruta de prazeres provido e dotado com esses cinco elementos do prazer sensual, mas será você capaz de mantê-los na vida que virá: ‘Que eu da mesma forma desfrute de prazeres provido e dotado com esses mesmos cinco elementos do prazer sensual?” Ou outros tomarão essas posses, enquanto você prosseguirá de acordo com as suas ações?”

“Eu não poderei mantê-los nas vidas que virão, Mestre Raṭṭhapāla. Ao contrário, outros tomarão essas posses enquanto que eu terei que prosseguir de acordo com as minhas ações.”

“Grande Rei, foi por conta disso que o Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado, disse: ‘[A vida em] qualquer mundo não tem nada que lhe pertença, todos deixam tudo e prosseguem’; e quando eu ouvi, vi e compreendi isso, eu deixei a vida em família e segui a vida santa.”

“É maravilhoso, Mestre Raṭṭhapāla, é admirável quão bem isso foi expresso pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado: ‘[A vida em] qualquer mundo não tem nada que lhe pertença, todos deixam tudo e prosseguem.’ De fato é assim!

“Agora, o Mestre Raṭṭhapāla disse: ‘[A vida em] qualquer mundo é incompleta, insatisfatória, é a escravidão do desejo.’ Como deve ser compreendido o significado dessa afirmação?”

“O que você pensa, grande rei? Você governa o rico país dos Kurus?”

“Sim, Mestre Raṭṭhapāla, eu o governo.”

“O que você pensa, grande rei? Suponha que um homem confiável e honesto viesse do leste e dissesse: ‘Por favor, grande rei, saiba que eu vim do leste e lá eu vi um grande país, poderoso e rico, com muitos habitantes e repleto de gente. Há em abundância tropas com elefantes, cavalaria, carruagens e infantaria; lá há marfim em abundância e há abundância de moedas e barras de ouro trabalhadas e em bruto, e há mulheres em abundância. Com o seu exército atual você poderá conquistá-lo. Conquiste-o então, grande rei.’ O que você faria?”

“Nós o conquistaríamos e governaríamos Mestre Raṭṭhapāla.”

“O que você pensa, grande rei? Suponha que um homem confiável e honesto viesse do oeste … do norte … do sul e dissesse: ‘Por favor, grande rei, saiba que eu vim do sul e lá eu vi um grande país, poderoso e rico … Conquiste-o então, grande rei.’ O que você faria?”

“Nós o conquistaríamos e governaríamos Mestre Raṭṭhapāla.”

“Grande Rei, foi por conta disso que o Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado, disse: ‘[A vida em] qualquer mundo é incompleta, insatisfatória, é a escravidão do desejo’; e quando eu ouvi, vi e compreendi isso, eu deixei a vida em família e segui a vida santa.”

“É maravilhoso, Mestre Raṭṭhapāla, é admirável quão bem isso foi expresso pelo Abençoado que sabe e vê, um arahant, perfeitamente iluminado: ‘[A vida em] qualquer mundo é incompleta, insatisfatória, é a escravidão do desejo.’ De fato é assim!”

Isso foi o que o venerável Raṭṭhapāla disse. E tendo dito isso ele disse mais:

“Eu vejo homens ricos no mundo, que mesmo assim,
devido à ignorância, não dão a sua riqueza acumulada.
Com cobiça eles entesouram as suas posses
desejando ainda mais prazeres sensuais.
Um rei que conquistou a terra através da força
e governa sobre um reino circundado pelo oceano
ainda insaciado com esta margem do oceano
desejando a outra margem também.
A maioria das outras pessoas também,
não somente um rei,
se deparam com a morte com a cobiça inalterada;
[com planos] ainda incompletos elas largam o cadáver;
os desejos permanecendo insaciados no mundo.
Os seus parentes lamentam arrancando os cabelos,
soluçando, ‘Ai de mim! Que pena!
Nosso amado está morto!’
Eles carregam o corpo envolto em mortalhas
colocando-o sobre uma pira para queimar.
Envolto numa mortalha,
ele deixa a sua riqueza para trás,
cutucado com paus ele queima [sobre a pira].
E ao morrer, nenhum parente ou amigo
pode aqui lhe oferecer refúgio ou abrigo.
Enquanto os seus herdeiros tomam
a sua riqueza, esse ser
tem que prosseguir de acordo com as suas ações;
e ao morrer nada pode segui-lo;
nem filho, nem esposa,
nem riqueza e tampouco propriedades.
A longevidade não é adquirida com a riqueza
nem a prosperidade é capaz de banir a velhice;
curta é esta vida, dizem todos os sábios,
a eternidade não é conhecida, apenas a mudança.
Seja rico ou pobre, ambos sentirão o toque [da Morte],
o tolo e o sábio também;
mas enquanto o tolo é abatido pela sua tolice,
nenhum sábio irá sequer tremer com o toque.
Melhor é a sabedoria aqui do que qualquer riqueza,
visto que através da sabedoria
se conquista o objetivo último.
Pois através da ignorância
as pessoas cometem ações ruins
enquanto de uma vida para outra fracassam
em alcançar o objetivo.
Quando alguém prossegue para o ventre
e para o próximo mundo,
renovando os sucessivos ciclos de renascimento,
outro com pouca sabedoria, confiando nele,
também vai para o ventre e para o próximo mundo.
Tal qual um ladrão pego num roubo
é submetido ao sofrimento devido à sua má ação,
assim também, as pessoas após a morte,
no próximo mundo,
são submetidas ao sofrimento por suas más ações.
Os prazeres sensuais, variados, doces, deliciosos,
de muitos e distintos modos perturbam a mente:
vendo o perigo nesses vínculos sensuais
eu optei por viver a vida santa, Oh Rei.
Como os frutos caem das árvores,
assim também as pessoas,
tanto jovens como velhas,
caem quando este corpo chega ao fim.
Vendo isso também, Oh Rei, eu segui a vida santa:
melhor é o seguro da vida do contemplativo.”